Existem beatos que têm muito em manha e pouco em escrúpulos. Utilizando expedientes desonestos, tentam alargar a fé religiosa em proveito próprio ou das povoações onde vivem, explorando a necessidade de crendice sentida por gentes aflitas, dispostas a acorrer a todos os lugares onde sejam anunciados milagres. Foi o que aconteceu com a «Santa da Soalheira», uma imagem colocada numa capela, venerada pela população local. A partir de certa altura, a santa feita de madeira passou a chorar lágrimas de sangue. Um fenómeno raro, ocorrido noutros lugares do mundo ao longo dos séculos, em circunstâncias que nalguns casos a ciência não conseguiu explicar. A notícia do milagre ia-se espalhando por toda a parte. O povo crédulo começou a afluir ao local em crescentes magotes. Apareciam na Soalheira autocarros vindos de pontos distantes do país, carregados de simplórios dispostos a despojarem-se naquela aldeia dos seus bens materiais e das suas moléstias. Até que um velho enfermeiro foi apanhado com a boca na botija por vizinhos espertos, crentes no adágio popular segundo o qual os santos da terra não fazem milagres. O vigarista, durante a noite, entrava na capela e punha «lágrimas» de sangue de galinha por baixo dos olhos da imagem. Se o homem tivesse tido oportunidade de continuar a fraude por mais tempo, não tardaria a surgir naquela aldeia da Beira Baixa um novo santuário onde se concentrariam grandes massas humanas vindas de muitos lugares em busca de soluções para os seus males. E alguns dos peregrinos encontrariam ali milagres idênticos aos que ocorrem noutros locais de culto. Quando a fé é grande e é intenso o desejo de que aconteça algo, o evento desejado pode mesmo ocorrer, desencadeado por complexos factores psíquicos.
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