sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A CRENÇA

As religiões existem porque os homens desconhecem o sentido da vida e temem a morte. É a consciência desta que está na base das preocupações metafísicas dos seres humanos e da necessidade de crença nalguma coisa que lhes possa dar protecção e reduzir-lhes a carga de intranquilidade.
Os filósofos, de um modo geral, têm relutância em adoptar as «verdades» das grandes religiões criadas há séculos ou milénios por homens considerados iluminados. A sua adesão apenas seria possível através de uma fé que não possuem ou da aceitação irracional de dogmas que lhes anulariam a própria liberdade de pensar. Distanciam-se assim dos crentes incondicionais, desprovidos de sentido crítico, que julgam esclarecer as suas dúvidas e alcançar a felicidade através do cumprimento de rituais de cunho mais ou menos supersticioso.
Voltaire não era incrédulo de todo e até repelia o ateísmo. Não atribuía os males à própria religião em si, mas à sua teologia: Se Deus não existisse teria sido preciso inventá-lo… O mal de todos os séculos foi o fanatismo misturado de superstição e ignorânciaO primeiro padre surgiu quando o primeiro velhaco encontrou o primeiro tolo. Foi, apesar de tudo, dos homens que mais contribuíram para atenuar a intolerância religiosa que imperava na sua época. Mas não acreditou na existência da alma nem na sua imortalidade. Sendo velho, eu gostaria de crer na imortalidade mas nem quatro mil volumes de metafísica me revelarão o que é a alma.
Claro que o destino final dos crentes não é diferente do destino dos cépticos. Cada crente convicto, religioso ou supersticioso, a quem tudo parece correr bem, decorrido algum tempo, apesar das repetidas ajudas que julgara ter obtido através das suas práticas, acaba invariavelmente por ser surpreendido por uma primeira tragédia pessoal. E a essa seguir-se-ão outras, até à tragédia final -- a morte. Todos os que durante anos, com fervor, mantiveram acesa a chama da esperança de gozarem de boa sorte, acabaram um dia por perdê-la para sempre. As boas influências divinas que os crentes julgaram terem respondido às suas preces tiveram afinal um efeito efémero.

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