sábado, 7 de maio de 2011

O PINTO



Exceptuando alguns companheiros de discoteca, os meus escassos amigos são, de um modo geral, muito mais velhos do que eu. Aprendo mais com um homem instruído de 70 ou 80 anos do que com um jovem da minha idade.

Sendo eu desempregado e ele reformado, tínhamos todo o tempo do mundo para conversar. Por isso atravessava com frequência o Tejo para procurar o velho Pinto na sua casa em Cacilhas. Era um homem de 80 anos, com cabelo branco, grande e desgrenhado, a condizer com a sua natural intelectualidade. Tinha uma grande paixão pela música clássica, que lhe enchia a casa e ouvia de manhã à noite. Nela buscava conforto e alimento para o seu espírito delicado e exigente como se encontrasse por essa via a suspensão da dor resultante das mortes prematuras do filho e da esposa.

Muitas vezes atravessávamos a rua e refugiávamo-nos no café da esquina a saborear uma cerveja, enquanto conversávamos. Era um homem de grande lucidez e inteligência que não se limitava a fazer-se ouvir, como é costume dos velhos. Ele buscava o diálogo, ouvindo mais do que falando.

Um dia toquei a campainha da sua porta mas ninguém a abriu.

-- Ele morreu há dias!, ouvi da boca de uma vizinha.

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