sexta-feira, 13 de maio de 2011

HOMENAGEM A L.T.

Foi o primeiro presidente da Câmara Municipal eleito no meu Concelho. O nosso bom relacionamento permitiu-me, com pesar, acompanhar de perto os seus últimos meses de existência.
Tenho evitado falar dele, nem sequer escrevi uma linha sobre o meu velho amigo no jornal onde colaborava com regularidade.
Apesar de ser pouco dado ao cumprimento de tradicionalismos inúteis, lembrava-me amiúde dele e sentia o dever de prestar-lhe uma qualquer homenagem, embora sem saber de que modo. Uma quase intenção cuja concretização fui adiando.
Estava há momentos sentado ao computador e a pensar: talvez lembrando-o agora e escrevendo aqui algumas frases destinadas a mim próprio, eu possa considerar cumprida a minha ideia.
Vi-o definhar aos poucos, ao longo de meses e meses. As suas pernas foram deixando de obedecer-lhe mas o seu discurso parecia ainda situar-se dentro dos parâmetros da normalidade.
Mantinha ainda bem vivo o seu habitual espírito crítico e combativo. Um dia ficou furioso ao ler um texto escrito por um amigo comum de homenagem a um conhecido monárquico que acabara de falecer e de quem L.T. não gostava politicamente. Pegou na caneta e desancou no homem num jornal regional, esquecendo-se de que o visado já não andava neste mundo e não poderia defender-se. Fiquei surpreendido com esse ataque cuja lógica não correspondia ao seu apurado sentido de justiça nem ao seu estilo elegante de fazer política.
Mais tarde viria a compreender melhor os porquês de tal gesto, quando já era evidente que a sua mente, outrora brilhante, começava a dar estranhos sinais de deterioração. Uns neurologistas diagnosticaram-lhe Alzheimer, outros Parkinson. Mas ficou-me a convicção de tratar-se apenas de uma progressão acelerada da doença de Parkinson, que lhe corroeu a capacidade de raciocinar com a anterior destreza e lucidez.
A partir de certa altura, as suas noites passaram a ser insuportáveis. Via desfilar à sua volta fantasmas assustadores, alguns deles amigos falecidos.
Um dia, no hospital, recomendou-me:
-- Fale baixo, eles andam por aí a vigiar-nos…
-- Quem?, indaguei.
-- A PIDE!
Já no Lar, ouvi o seu último pedido:
-- Vimos sendo bons amigos há muito tempo. Estou aqui preso pela PIDE e quero fugir. Tire-me daqui, por favor!
-- E levo-o para onde?
-- Para sua casa, porra! Ou será que você também é da PIDE ou da Gestapo? Respondeu-me nesses precisos termos, com grande irritação.
-- Eu amanhã terei de partir para Lisboa mas depois passarei por aqui e você irá comigo.
Morreu na noite de 24 de Abril de 2008. As cerimónias do 25 de Abril no Concelho foram suspensas pelo actual Presidente C.P.
Julguei que José Sócrates compareceria no seu funeral mas não o vi, talvez andasse demasiado ocupado.

Sem comentários:

Enviar um comentário