O inconsciente engana o consciente?
Aprendera que grande parte da humanidade crê na reencarnação. Cada um de nós terá vivido no passado diferentes existências em corpos diversos. Porém, enquanto os espíritas estão convictos de que a alma de um ser humano não recuará no seu longo caminho evolutivo e apenas poderá vir a reencarnar num corpo humano, muitas religiões e filosofias orientais defendem ser possível a reencarnação de espíritos humanos em animais inferiores.
Os estados de hipnose contam-se entre os fenómenos paranormais que poderão ser provocados experimentalmente, bastando que existam dois participantes: um sujeito activo, com capacidade de hipnotizar, e um sujeito passivo, com capacidade de ser hipnotizado. Os crentes na reencarnação acreditam que qualquer indivíduo hipnotizado poderá lembrar-se de tudo quanto viveu não apenas após o nascimento como também antes de ter sido concebido. Via em televisões portuguesas e estrangeiras passarem programas sobre a hipnose, envolvendo interessantes experiências de regressão nas quais os hipnotizados descreviam o que iam vendo e ouvindo à medida que recuavam no tempo.
O citado parapsicólogo jesuíta Óscar Quevedo, contesta essa visão das coisas, entendendo que tais regressões são puramente fictícias e que o paciente submetido a sugestão é capaz de criar magníficas fantasias: «o inconsciente do homem engana inúmeras vezes com uma precisão assombrosa, com um talento que supera todo o imaginável… Os maiores e mais experimentados sábios podem ser enganados com suma habilidade e a pessoa mais honesta no consciente pode ser o maior traiçoeiro em qualquer manifestação do seu inconsciente».
Quevedo admite ser verdade que, nalguns casos, o inconsciente poderá revelar factos ocultos que correspondem a épocas anteriores ao nascimento. Só que não se trataria, nesses casos, de uma autêntica lembrança do inconsciente, mas apenas, em última análise, de um conhecimento actual paranormal. Seria uma mera projecção ao passado dos conhecimentos actuais, conscientes ou inconscientes.
O inconsciente tomaria do seu arquivo inúmeras lembranças para fingir a regressão que lhe propõem, mas nem por isso se desprenderia da vida presente. Será nos moribundos que o inconsciente parece aflorar mais intensamente, surgindo lembranças até aos primeiros anos de vida.
Muitas das chamadas «intuições» ou «inspirações» do momento, serão, no todo ou em parte, lembranças do que ouvimos, lemos e pensámos em ocasiões anteriores. Segundo Quevedo, os actos psíquicos, provavelmente todos os actos psíquicos normais, extra-normais, paranormais, conscientes ou inconscientes, arquivam-se para sempre na memória inconsciente. (páginas 24 e 113 do citado livro A Face Oculta da Mente).
Assim como os crentes religiosos remetem a explicação de tudo quanto desconhecem para um Deus ou para um Diabo abstractos, também alguns psicólogos e parapsicólogos, como Quevedo, atribuem os complexos fenómenos do Mundo Invisível ao inconsciente. Uma entidade cujos mecanismos eles mesmos desconhecem por inteiro.
Além dessa explicação dos fenómenos paranormais, existe pelo menos uma outra, que era outrora a mais seguida no mundo cristão. A exemplo do que pensava a Inquisição medieval, muitos católicos acreditam ainda hoje que a origem desses fenómenos reside tão só no Diabo.
Quevedo dizia que nas sessões espíritas, o inconsciente dos participantes explica os diálogos travados.
Mas considerava essa explicação demasiado artificiosa. A crer nela, existiriam em cada indivíduo pelo menos duas personalidades distintas: uma inconsciente e outra consciente, sendo a segunda sistematicamente enganada pela primeira!
Quando alguém, de irrepreensível seriedade, se encontra em estado de transe respondendo às perguntas que lhe são feitas, a sua mente inconsciente estará a enganar o paciente e a ludibriar os seus interlocutores? Se assim fosse, o ser humano não seria uma entidade coerente, mas um confuso somatório de pelo menos duas entidades diferentes em que uma (o inconsciente) terá por principal missão enganar a outra (o consciente). Acabaríamos por ter de perder a indispensável certeza íntima de que o nosso raciocínio, oriundo da mente, consciente ou inconsciente, é objectivo e está de acordo com a realidade exterior, sendo essa uma convicção essencial ao equilíbrio humano.
A tese de Quevedo, aparentemente, poderá ter algum suporte lógico em grande parte dos sonhos, e ser sugerida noutros casos pelas manifestações de certas doenças mentais, como a esquizofrenia. Porém, não passará seguramente de uma mera tese, não valendo mais do que a tese contrária.
Acreditava que um homem normal e equilibrado terá de ser necessariamente um todo coerente, embora sujeito a influências exteriores. Admitia até que cada pessoa poderá ser simultaneamente um emissor e um receptor. E que a sua mente, de forma inconsciente, estará em contacto permanente com as mentes dos seus semelhantes vivos e, eventualmente, com as dos falecidos. A mente de cada um transmitirá inconscientemente imagens às outras mentes. O conhecimento global residiria no conjunto dos saberes de todas as mentes, algo que poderia corresponder à figura do «inconsciente colectivo» criada pelos psicólogos.
Os ensinamentos de Kardec
Apercebera-se de que alguns dos grandes estudiosos do espiritismo, tendo começado com muitas dúvidas, caíram em certezas definitivas. Neste grupo destaca-se o mais famoso espírita de todos os tempos, o médico francês Léon Denizard Rivail, nascido em Lyon em 1.804 no seio de uma família de juristas protestantes, conhecido pelas suas obras sobre pedagogia. Não exerceu medicina mas acumulou diplomas sobre ciências, filosofia e pedagogia. Senhor de uma vasta cultura, só tardiamente, na sequência de uma conversa com Carlotti, quando já ultrapassara os cinquenta anos de idade, tomou contacto com o mundo dos espíritos, passando o resto da sua vida a estudar as leis naturais que regem as relações entre os mundos visível e invisível, adoptando o pseudónimo de «Allan Kardec», por acreditar corresponder esse nome a uma das suas anteriores reencarnações.
«Foi em 1854 que ouvi falar pela primeira vez em mesas girantes. Encontrando-me um dia com o Sr. Fortier, magnetizador que eu conhecia, disse-me ele:
-- Sabes que se acaba de descobrir que não são apenas as pessoas que se magnetizam mas também as mesas que giram e andam à nossa vontade? … Mais extraordinário que fazer uma mesa girar e andar é fazê-la falar. Perguntam e ela responde…
-- Só acreditarei se vir ou me provarem que a mesa tem cérebro para pensar e nervos para sentir…
Parecia-me absurdo atribuir inteligência a uma coisa material … Eu não tinha ainda observado nenhum caso e o que me contavam repugnava à minha razão… Em Maio de 1855, fui a casa da Srª Roger, sonâmbula, em companhia de Fortier, seu magnetizador. Então fui pela primeira vez testemunha do fenómeno das mesas que giram, saltam e correm. Vi também alguns ensaios imperfeitos de escrita mediúnica. Ali estava um facto que deveria ter uma causa…».
A partir daí, Kardec, através da realização de inúmeras experiências, foi aprofundando os seus conhecimentos, acabando por tornar-se um profundo crente nos espíritos e nos seus ensinamentos. No início, faltou-lhe a fé, ao ver-se diante de uma montanha de pormenores, de obscuridades e de absurdos, mas depois, através dos seus estudos, foi cimentando a convicção de que a existência das almas era uma realidade irrecusável.
Procurou demonstrar que os factos designados de sobrenaturais estão sujeitos a leis universais e constituem fenómenos normais da Natureza. Foi ele o primeiro sistematizador das ideias espíritas, concluindo pela sobrevivência da alma e da vida no Além, bem como pela reencarnação dos espíritos.
Nas suas obras limitou-se a descrever os ensinamentos dos espíritos, os quais poderão resumir-se nestas frases: Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas; Deus criou a matéria que constitui os mundos e criou os seres inteligentes denominados espíritos; o espírito é o princípio inteligente e imaterial; os espíritos são seres individuais, possuem um envoltório etéreo e povoam os espaços, que percorrem com a rapidez do relâmpago; os espíritos foram criados simples e ignorantes e vão evoluindo através de sucessivas reencarnações; cada encarnação é uma prova que o aproxima da sua meta e quando uma delas é mal utilizada, torna-se sem proveito para o espírito, que terá de recomeçá-la em condições mais penosas; os espíritos encarnados constituem a humanidade, que não está circunscrita à Terra mas povoa todos os mundos espalhados pelo espaço; no intervalo das suas existências corpóreas o espírito é errante; o espírito culpado é punido com sofrimentos morais no mundo dos espíritos; há mundos apropriados aos diferentes graus de adiantamento dos espíritos; ao encarnarem, os espíritos trazem consigo a experiência das reencarnações anteriores; o esquecimento das existências anteriores é um benefício de Deus, que quis poupar o homem a lembranças que são quase sempre penosas; estando os homens na Terra em expiação, estes não estão sozinhos, pois têm os espíritos protectores ou anjos da guarda, que velam por eles e esforçam-se por levá-los no bom caminho.
As experiências de Kardec e as de todos os outros espíritas têm como alavanca a mediunidade de alguns dos participantes nas suas reuniões. Segundo os estudiosos do espiritismo, esses médiuns dividem-se em: motores, os que provocam o movimento dos objectos; tiptológicos, os que provocam ruídos, pancadas, batidas; de aparição, os que provocam as aparições; escreventes ou psicógrafos, os que têm a faculdade de escrever sob a influência dos espíritos; pneumatógrafos, os que têm a faculdade de obter a escrita directa dos espíritos; falantes, os que transmitem pela palavra o que os espíritos querem dizer; de pressentimento, os que, em certas circunstâncias, têm uma vaga intuição do que vai ocorrer no futuro; videntes, os que têm a faculdade de ver os espíritos; sensitivos, os que têm a faculdade de sentir a presença dos espíritos.
O mistério da estátua de Sousa Martins
Sempre que passava no Campo de Santana, em Lisboa, olhava, em frente da velha Faculdade de Medicina, a estátua do falecido médico Sousa Martins. Fora um distinto professor daquela Escola, nascido em 7 de Março de 1.843 em Alhandra e falecido, por suicídio, em 18 de Agosto de 1.897, aos 54 anos de idade, quando a tuberculose, que ele tentou debelar em Portugal, acabou por atacá-lo também a si. Filho de um carpinteiro, a vida não lhe foi fácil nos primeiros anos, tendo ido para Lisboa trabalhar na farmácia de um tio. Mais tarde formou-se em Medicina e foi considerado um cientista de projecção internacional sobretudo pelo seu estudo da tuberculose que grassava em Portugal.
A estátua em si passar-lhe-ia despercebida se não fosse o facto de, junto dela, ver pessoas rezando, colocando ramos de flores e placas de agradecimento, como se aquele fosse um santo milagreiro representado nos altares católicos. Tendo presenciado o fenómeno várias vezes, perguntou um dia ao doutor Macedo se, enquanto estudante de medicina naquela Faculdade, observara o facto, tendo-lhe ele respondido afirmativamente. E quando lhe pediu uma explicação para a afluência de tanta gente aos pés da estátua de um homem falecido um século atrás, ele disse tratar-se de coisas de malucos. Para si, a simples possibilidade da existência da alma era absurda.
Mas os milhares de adoradores da estátua do Doutor Sousa Martins pensavam de forma diferente. Uns, a maioria, eram pessoas comuns. Outros eram espíritas convictos. Todos iam ali implorar milagres ou agradecer as ajudas daquele espírito elevado que ganhara fama de ter sido um homem bom em vida.
E no cemitério de Alhandra, onde o seu corpo foi enterrado, a romaria ainda é maior como revela um texto colocado na Internet por um residente local em 10 de Março de 2005:
«Ontem no decorrer da minha habitual passeata higiénica deparei-me com a insólita situação de ter uma feira montada numa das ruas menos movimentadas de Alhandra. O trânsito estava cortado, existia o habitual agente das forças da ordem, e todo o folclore habitual das feiras. É verdade que as barraquinhas não eram em número suficiente para podermos considerar a situação comparável a outros grandes eventos comerciais, mas o facto é que não faltava nada nesta feira de improviso. Para dizer a verdade faltariam talvez os habituais carrosséis e a insuportável música em altos berros, quanto ao resto do que é habitual nestes eventos populares não faltava nada. Posso-vos afirmar que até a barraquinha do pãozinho com chouriço lá se encontrava. A minha habitual curiosidade levou-me a parar e a optar pela roulote das farturas. Enquanto mamava a dita fartinha, meti de imediato os neurónios a funcionar para ver se descortinava o porquê de tão insólita situação. Atendendo à localização da dita feira de improviso, de imediato compreendi o que se estava a passar. Aquela agradável manifestação do improviso popular era o resultado de mais um aniversário da morte do mais ilustre cidadão de Alhandra. Aquela feira de farturas, pão quente, flores e santinhos, acompanhados de velas e crucifixos, eram o resultado de mais uma peregrinação ao jazigo do mais ilustre médico da nossa terra, o aproveitamento comercial a que eu estava a assistir devia-se à homenagem que algumas pessoas vindas de todo o país habitualmente prestam ao grande Dr. Sousa Martins. Para quem não conhece a história deste ilustre senhor, apenas vos direi que......Sousa Martins era médico, daqueles médicos que encaravam o desempenho da profissão como se de uma cruzada se tratasse, o Dr. Sousa Martins era daqueles médicos que já não existem, ou se existem a sociedade faz com que o seu humanismo não ganhe visibilidade, o grande Dr. Sousa Martins era daqueles médicos que pagava os medicamentos de alguns dos seus doentes menos favorecidos economicamente com o dinheiro da sua própria carteira. Actualmente, povo das mais variadas zonas do país, vem a esta vila de Alhandra prestar a sua homenagem a esse grande senhor da medicina, muitos são aqueles que transformaram o medico num mito, muitos são aqueles que vêem neste grande ser humano um santo milagreiro. No entanto a igreja cá da terra não parece partilhar muito deste sentimento popular, existem inclusive relatos de que a igreja era fechada neste dia de aniversario da morte do Dr. Sousa Martins de modo a que as nazarenas não pudessem prestar as suas homenagens ao falecido médico no interior da igreja. Não sei! Quanto a isso pouco ou nada sei, o que na realidade sei é que o Dr. Sousa Martins é idolatrado por milhares de pessoas neste nosso país, o que sei é que todas as homenagens que lhe possam ser feitas são no meu entender mais que merecidas. Gostaria ainda de vos dizer que não partilho nem só um pouco deste aproveitamento comercial da figura deste grande ser humano, não creio que o Dr. Sousa Martins pudesse alguma vez aprovar o que na actualidade se está a passar, mas o facto é que a peregrinação a este santo homem ganhou contornos que dificilmente poderão ser travados, estou convencido que com o decorrer dos anos, passaremos a ter apenas a figura de um santo que não entrou nas galerias dos santos que a igreja apadrinhou. Para acabar gostaria ainda de mandar um recado à nossa classe médica, gostaria de lhes dizer que a grandeza ou prestígio dos homens não é medida pelo número de notas que se amealha ao longo de uma vida, talvez que o exemplo de Sousa Martins sirva para acordar alguns economistas da saúde, talvez que o amor que a população de Alhandra e do país dedicam à sua pessoa possa servir de despertador para alguma falta de humanismo que tem vindo a caracterizar uma parte substancial da nossa classe médica. Não acredito que Sousa Martins seja santo, como também não acredito na existência de santos, mas acredito que os homens bons como ele possam e devam ser idolatrados nos corações dos homens e das mulheres que anseiam por um mundo melhor, se estas feiras de homenagem também servirem para enaltecer o humanismo de um homem bom, então que ninguém duvide que o Frogas lá estará a comer as suas farturas, mesmo que para isso tenha de gramar com o som aberrante das cassetes pirata. Para além de tudo o mais, tudo o que se possa ganhar com a venda das velinhas, dos santinhos e das farturas, irá reverter a favor de quem trabalhou para o merecer, e se noutros locais o aproveitamento comercial da crença é permitido, então aqui em Alhandra também o deverá ser. Só espero nunca ter de ver velhotas a subir a rampa da igreja de joelhos ou a rastejar, se isso algum dia vier a suceder então lá terá o Frogas de mudar de opinião. Até lá, que se vendam farturas e crucifixos e que quem é pobre possa ganhar a vidinha…».
Não é apenas em Lisboa ou em Alhandra que afluem peregrinos adoradores daquele falecido médico. À pequena estátua de Sousa Martins erguida na cidade da Guarda também acorrem cumpridores de promessas.
O que levará tanta gente a lembrar-se hoje, com tamanha devoção, de um médico falecido há mais de cem anos, quando ele, por se ter suicidado e por ter sido «maçon», nem sequer reunirá condições para ser declarado santo pela Igreja Católica? Por quê a adoração a Sousa Martins e não a outros médicos que também foram professores distintos naquela Faculdade e boas pessoas em vida?
Nunca chegou a compreender inteiramente esse fenómeno. Haverá qualquer coisa de estranho em tudo isso, a merecer uma investigação mais profunda. Descobrira apenas que, por qualquer razão, eventualmente ligada ao facto de também Sousa Martins ter sido em vida adepto do espiritismo, os grupos espíritas espalhados pelo país se habituaram a invocar nas suas sessões o espírito de Sousa Martins, solicitando-lhe ajuda para solucionar problemas de saúde.
Presenciara diversas sessões espíritas realizadas em Algés nas quais era invocado o espírito dessa entidade, que prontamente acorria, incorporando numa das duas médiuns disponíveis. O falecido médico respondia a perguntas sobre doenças e fazia tratamentos aos que lhos solicitavam. A médium, em estado de transe, percorria então com as pontas dos dedos as partes dos corpos dos pacientes onde se localizavam as supostas enfermidades, ouvindo-se pequenos estalidos, como se fossem faíscas eléctricas.
O prato e os espíritos
Sabia que a crença no espíritos dos mortos faz parte da cultura dos europeus e de todos os outros povos do mundo, incluindo os mais primitivos. Porém, apesar da doutrinação católica a que fora submetido em criança, jamais se convencera da possibilidade de existirem almas ou espíritos. Ouvira falar vagamente no espiritismo, em mesas giratórias de «pé de galo» e em casas assombradas. Lembrava-se até de, na sua infância, os colegas de colónia de férias, na praia da Foz do Arelho, afirmarem que um palacete de pedra clara, habitualmente desabitado, situado a poucas dezenas de metros da Lagoa de Óbidos e a outras tantas do mar, estava infestado de almas do outro mundo que se divertiam a abrir e fechar portas e janelas. Nessa época, sempre que passava por perto, olhava o casarão como se fosse um sítio mágico onde aconteciam coisas sobrenaturais.
Só a partir do dia em que, por um mero acaso, tomou contacto directo com uma das múltiplas facetas do mundo invisível que nos rodeia, é que passou a aperceber-se da grande importância do tema. E não parou, durante anos, de tentar aprofundá-lo por lhe parecer estar na presença da ponta da meada que poderia conduzi-lo a uma explicação mais completa do sentido da vida.
Com o tempo, foi constatando que o mesmo sucedera com muitos outros curiosos solitários. Uns investigaram tanto quanto puderam e continuaram na dúvida. E outros, deslumbrados com os fenómenos que tinham pela frente, à força de tanto estudá-los e experimentá-los, acabaram por perder o seu equilíbrio mental, passando a viver num mundo anómalo, como aconteceu com um moço de dezanove anos de idade que encontrou um dia por acaso numa rua de Odivelas, junto do anexo do hospital psiquiátrico Júlio de Matos. Tendo-lhe o rapaz pedido um cigarro, ambos mantiveram a seguir uma interessante conversa. Considerando a sua pouca idade, o moço possuía uma excelente cultura filosófica e, mais do que isso, dominava os meandros do espiritismo. Momentos depois apareceu a irmã, que esclareceu estar o rapaz internado no hospital psiquiátrico devido às consequências do estudo intensivo das ciências ocultas. Era claramente dotado de uma inteligência superior mas estava muito fragilizado.
Os fenómenos paranormais são em si surpreendentes. Mas mais surpreendente ainda é a relativa ignorância e repulsa de que eles são alvo por parte da generalidade das pessoas. O temor do oculto, aliado a preconceitos religiosos e sociais, acabam praticamente por torná-los acessíveis apenas a alguns estudiosos e àqueles que involuntariamente os protagonizam e que se sentem de certo modo suas vítimas.
Das «coisas do outro mundo» foge quase toda a gente, independentemente do grau de cultura de cada um, como se o ser humano estivesse programado para viver e comportar-se dentro de certos parâmetros impostos por uma lei natural redutora da realidade global. Aqueles que têm o arrojo de levantar o véu e espreitar uma parte da verdade oculta terão de confrontar-se depois com a dificuldade de transmitirem o seu saber aos que nada sabem porque estes, por quaisquer razões do foro psicológico, tendem a não acreditar ou mesmo a negar o que viram, como se desejassem não passar por loucos ou convencer-se a si próprios de que o não são.
A notícia da existência de fenómenos paranormais no tempo da Inquisição corria clandestinamente de boca em boca. Com o advento da liberdade de expressão do pensamento em finais do século XVIII e com a evolução acelerada das tecnologias de informação no século XX, esses fenómenos passaram a ser amplamente divulgados. São agora temas de filmes, de programas televisivos científicos e de artigos publicados em jornais e revistas.
Um dia, cruzando-se com o Vieira, que via quase diariamente, este fez-lhe uma revelação que o surpreendeu.
-- Ontem assisti, pela primeira vez, a uma sessão de espiritismo, orientada pela minha prima.
-- Conte, conte...
--Todos ficámos espantados com o extraordinário saber da moça e sobretudo com o diálogo que travámos com o espírito de um homem falecido há mais de cem anos na Oceânia, o qual respondia em português às perguntas que lhe fazíamos…
Vinda de uma pessoa da sua plena confiança, aquela estranha confidência adquiria foros de credibilidade. Não tinha dúvida alguma de que o Vieira estava de boa fé e falava verdade, embora pudesse ter sido vítima de um equívoco ou de uma fraude.
O evento aguçou-lhe a curiosidade e estimulou-o a procurar esclarecer aquela singular informação, convencendo o amigo a propor à sua prima a repetição da experiência perante um grupo constituído por sete pessoas das relações comuns, que ambos conseguiram reunir na noite de 2 de Junho. Começava aí a sua longa caminhada no sentido da tentativa de descoberta da Verdade através de uma nova via, traçada entre os campos da racionalidade e da irracionalidade.
O grupo convocado, motivado pela curiosidade, reuniu-se à volta de uma grande mesa rectangular. A sessão iria ser orientada pela jovem Madalena, uma estudante do primeiro ano de medicina, com dezoito anos de idade, de olhar sereno e inteligente, a qual viria, anos depois, a tornar-se uma excelente psiquiatra na capital. A estudante disse tratar-se de uma experiência de fácil execução que aprendera em Coimbra com colegas de curso, explicando ser necessário apenas, para provocar o desencadeamento do fenómeno, que os participantes não pensassem em nada e se concentrassem somente no que iam fazer.
Os voluntários, com os olhos semicerrados à volta da mesa, tentavam colaborar com a estudante, não deixando de lançar, apesar disso, discretos olhares curiosos para os lados, observando as reacções dos companheiros. Tendo a impressão de que estavam a fazer uma figura ridícula, a tentativa inicial de concentração foi gorada pelo soar dos risos de um dos participantes, que contagiaram os restantes. Quando todos já pareciam mais calmos e receptivos à aceitação de tão esquisita reunião, o grupo ficou em melhores condições de colaborar com a orientadora.
Madalena quebrou o silêncio da sala com a frase:
-- Espírito, se estás presente, indica com a seta do prato a palavra «sim»!
Todos os colaboradores que, durante os minutos anteriores, se haviam esforçado por estar calados e concentrados, explodiram em sonoras gargalhadas. Chamar um espírito àquele local afigurava-se-lhes uma ideia louca! Mas a estudante de medicina era persistente e não desistia de incitá-los a colaborar. Depois de várias tentativas frustradas, o grupo foi-se finalmente descomprimindo, acabando por ganhar alguma habituação ao ritual, perdendo progressivamente a vergonha e a vontade de rir. Todos estavam a adaptar-se àquilo que lhes parecera inicialmente uma coisa absurda. Tudo era apenas uma questão de treino.
-- Espírito, se estás presente, indica com a seta do prato a palavra «sim»!, insistiu Madalena.
O prato pareceu iniciar um tímido movimento em direcção ao «sim». Sentiu então um misto de espanto e confusão. Teria sido algum dos presentes a empurrá-lo?, interrogava-se ao princípio, quando ainda uns duvidavam dos outros.
No decurso da experiência, observando atentamente os movimentos do prato, acabou por afastar a hipótese de fraude. Era evidente que ninguém enganava ninguém. O prato estava conduzindo-se por si e o traço marcado no seu rebordo apontava para letras e números escritos numa folha de cartolina branca sobre a qual ele deslizava, construindo desse modo palavras e frases como se de uma máquina de escrever se tratasse. Cada um roçava levemente a ponta de um dedo na parte superior do prato, dando o seu contributo para a acumulação da energia magnética necessária ao seu movimento. Sentia-o claramente a deslocar-se debaixo do seu dedo indicador.
Fora uma experiência curta mas convincente. Insistiu com Madalena no sentido de, no dia seguinte, voltar a reunir-se com o mesmo grupo. E ela acedeu.
Não faltou ninguém. Todos ocuparam os seus lugares à volta da mesa. Resolvera, ele próprio, levar o material de trabalho: um prato de plástico em cuja aba riscou um traço e uma cartolina branca contendo as letras do alfabeto e os números de 0 a 9, além das palavras «sim» e «não».
O grupo decidiu não invocar este ou aquele espírito em particular, aguardando ao acaso o primeiro que aparecesse. Depois de alguns minutos de silêncio e concentração, o prato iniciou o movimento para o «sim», sinal de que uma qualquer entidade já estava disponível para dialogar.
-- Que dia é hoje?, perguntou a estudante.
O prato desceu na cartolina e apontou o número 3.
Madalena perguntou-lhe as horas e o prato aproximou-se prontamente dos números correspondentes, acertando com exactidão.
Sentia-se fascinado, parecia-lhe estar a viver um sonho. Os movimentos dialogantes do prato eram provocados por uma entidade imaterial inteligente, com vontade própria, embora utilizando a energia magnética dos participantes. A partir de determinado momento, com o assentimento de Madalena, continuou ele o interrogatório.
-- Qual era o teu nome na Terra?
-- Luís Lago.
-- Onde morreste?
-- Em Évora.
-- Sentes-te mais feliz agora ou quando eras vivo na Terra?
-- Agora.
-- E há espíritos que são mais infelizes agora do que em vida?
--Sim.
--Conheces os teus descendentes ainda vivos?
--Sim.
--Indica-nos o nome e o endereço de um.
--Dora Ribeiro Estêvão, Rua Augusto Xavier Germano, Montijo.
--Em que ano nasceu o meu falecido pai?
Falhou a data.
-- Quantos anos tem a minha avó?
-- 87 anos (andou perto).
--Queres transmitir-nos uma mensagem?
--Sim.
--Transmite.
--Ontem, numa Igreja, foi vista uma mulher cega a velar uma criança…
--Queres dizer mais alguma coisa?
--Sim.
--Diz.
--Amor.
--Quem te mandou dizer isso?
--Deus.
--Queres continuar a conversar connosco?
--Sim.
--Não sofres nada com isso?
--Não.
Além dessas muitas outras perguntas foram feitas tendo o prato respondido acertadamente a umas tantas. Acertou por exemplo no número de filhos de cada participante, nos seus nomes completos e respectivas classificações escolares. Mas noutras questões, incluindo algumas que eram conhecidas dos participantes, falhou. E em relação às situações colocadas que envolviam acontecimentos futuros, o espírito não acertou em nenhuma, como se foi depois confirmando ao longo do tempo.
Suspeitava que algumas das respostas eram obtidas através da leitura das mentes dos presentes. Outras porém, pela sua natureza e imprevisibilidade, de modo algum poderiam ter origem nas mentes conscientes dos participantes.
Aquele pedaço de plástico sob a forma de um prato parecia uma máquina de escrever automática e rápida, de uma incrível eficiência. E parecia agir com vontade própria. Depois de dar resposta à pergunta formulada, parava por momentos e aguardava pacientemente pela seguinte, retomando o movimento logo que esta lhe era colocada.
À medida que a sessão avançava, o prato movimentava-se com maior destreza, deslizando rapidamente sob os dedos, como se o aumento do treino facilitasse a comunicação. A seta do prato ia, letra após letra, formando frases mais ou menos longas. Por vezes, por causa da pressa com que girava, o prato «esquecia-se» de parar numa determinada letra. Mas prontamente voltava atrás e emendava o lapso, continuando para a letra seguinte, como se tivesse olhos e inteligência próprios.
Pediu aos companheiros que fechassem os olhos, enquanto ele mesmo fazia uma pergunta ao espírito. E, tal como o admitira antes, o prato ficou cego, passando a circular sobre a cartolina com movimentos descoordenados, buscando algo que não conseguia encontrar. Concluiu desse modo que o prato «via» através dos olhos dos participantes. Aquela entidade, fosse ela qual fosse, alimentava o diálogo utilizando as mentes e os corpos dos interlocutores. Não entendia todavia porque é que os seus próprios olhos, embora abertos, não evitavam a cegueira do espírito.
Quando o grupo deu a sessão por terminada, ele afastou-se da sala cansado, como se tivesse sido submetido a um grande esforço intelectual e perdido uma parte da sua vitalidade. Sentia-se perturbado mas ao mesmo tempo deslumbrado com tantas e tão estranhas coisas. Tinha necessidade de digerir tranquilamente aquela incrível conversa com os espíritos. Seriam as entidades dialogantes realmente almas de gente falecida como elas próprias diziam ser?
A noite ia já avançada quando iniciou o seu passeio solitário pela cidade reflectindo naquela espantosa «sessão de espiritismo». Tinha dificuldade de ordenar mentalmente tão complicado imbróglio. Parecia-lhe mesmo ter acabado de sonhar e ainda não estar completamente acordado. Se aquilo que vira era o que parecia ser, como fora possível ter gasto as três primeiras décadas da sua vida sem se aperceber da existência de fenómenos tão relevantes? Estava provavelmente colocado perante a prova da imortalidade da alma. Afinal as coisas terão um sentido e, ao contrário do que julgara, talvez nem tudo acabe num buraco de cemitério. Pelo menos vislumbrava uma luz ao fundo do túnel da sua anterior ignorância, sentindo que estava no caminho certo. A Verdade andaria seguramente por ali e teria de fazer algum esforço para compreendê-la nas suas complexas vertentes. Não lhe parecia crível que as entidades invisíveis dialogantes inventassem sistematicamente falsas identificações. Mas fosse aquela a alma de Luís Lago ou a de outro qualquer homem falecido, o simples facto de ter de admitir a probabilidade de tratar-se de um espírito impressionava-o. Ou haveria outra explicação para o fenómeno?
Ia reforçando a conclusão de que a energia que provocava os movimentos do prato provinha apenas dos experimentadores. Geralmente, quando decrescia o número de participantes que tocavam o prato, este perdia velocidade. Mas era notório que uns transferiam maior energia do que outros. Por vezes bastavam um ou dois para que o prato deslizasse sem dificuldade.
Estava a trabalhar no escuro, desencadeando forças cujos poderes desconhecia e não controlava. E receava que as experiências tivessem consequências negativas no equilíbrio dos seus companheiros. Só que o seu interesse em compreender aquele espantoso mundo era tão grande que se dispunha a aceitar todos os riscos inerentes. Colocado na posição de aprendiz de feiticeiro, era-lhe impossível parar antes de retirar todas as conclusões possíveis.
No dia seguinte, um sábado, escreveu uma carta a Dora Ribeiro Estêvão, que teria vivido na suposta Rua Augusto Xavier Germano, no Montijo. Nenhum elemento do grupo conhecia aquela localidade e menos ainda o nome da rua. Mas viria mais tarde a constatar que o resultado dessa diligência não foi conclusivo. Não obteve resposta alguma nem lhe foi devolvida a carta pelos Correios. Poderia ter-se dirigido pessoalmente ao Montijo e tentado descobrir se existia alguma rua com aquele nome. Mas a sua falta de convicção levou-o a concluir não valer a pena perder tempo com esse detalhe. Mesmo que, na sequência de cuidadas investigações, viesse a confirmar que uma tal Dora habitara aquela terra e aquela hipotética rua, isso não seria bastante para dar-lhe uma certeza, embora pudesse aumentar-lhe a convicção de ter de facto estado a «conversar» com um espírito e de este lhe ter fornecido um indício sério da sua existência.
Conseguiu nesse sábado juntar uma parte do grupo e realizar uma nova experiência.
O prato iniciou rapidamente o movimento em direcção ao «sim», prova de que o espírito já estava comunicável.
-- Que dia é hoje?
-- 5.
-- Queres responder às nossas perguntas?
--Não.
O prato entrou a seguir em movimentos desordenados. Tentava comunicar qualquer coisa que não era inteligível aos participantes. Nem conseguia «escrever» correctamente a frase que pretendia transmitir. Mesmo assim, repetiu:
-- Queres responder às nossas perguntas?
-- Não.
-- Porquê?
-- Porque não.
-- Queres que nos vamos embora?
-- Sim.
Não valia a pena continuar. Aquela entidade, fosse ela um espírito ou outra coisa qualquer, não estava disposta a dialogar. Parecia-lhe mais um indício, a juntar a tantos outros, de que os chamados «espíritos» têm personalidades e vontades próprias. Porque teria aquele de aparecer ali contra a sua vontade? Existiria algum mecanismo que sugasse espíritos, obrigando-os a dialogar?
A essas primeiras experiências de Junho seguir-se-iam muitas outras. Já recomposto e menos dado a deslumbramentos, ele ia ficando cada vez mais convencido de que dificilmente alcançaria certezas definitivas por aquela via. Mas, pelo menos, mantinha a esperança de ter entrado num caminho que, embora sinuoso, poderia conduzi-lo a conhecimentos capazes de lhe darem uma melhor visão da existência.
Naquele suposto mundo dos espíritos não obtinha quaisquer sinais da presença dos seus familiares falecidos. Mesmo assim, por cautela, nunca invocou o nome de nenhum deles nas suas experiências. Desejava afastar a possibilidade de prejudicá-los, se existissem. No entanto o Rui, um dos elementos do grupo inicial, talvez o mais crente, adorava chamar o seu falecido pai e dialogar longamente com ele, fazendo-lhe perguntas sobre o futuro que o aguardava. Não tinha grandes dúvidas de que Rui estava a ser enganado. Tendo existido entre ambos laços afectivos e de lealdade, seria de esperar que o falecido pai, agora sob a forma de espírito invisível, fosse sério no seu modo de responder ao filho, o que não aconteceu porquanto, mais tarde, todos puderam constatar que as suas revelações eram grosseiramente falsas.
Tinha consciência de que só através da utilização de novos colaboradores poderia descobrir médiuns de qualidade que lhe permitissem atingir resultados mais convincentes. Por isso, nos seus contactos ocasionais com pessoas das suas relações, usando de alguma habilidade, abordava o tema dos espíritos na expectativa de angariar voluntários para as suas experiências. Mas eram raros os que se interessavam pelo tema. Teria assim de investigar com os instrumentos possíveis, que não eram os desejáveis.
Em 12 de Setembro reuniu alguns elementos do seu grupo inicial e dividiu-os em dois subgrupos, operando cada um destes com um prato em movimento sobre uma mesa distanciada alguns metros da outra. Depois foi fazendo as mesmas perguntas a António, o espírito que compareceu. Este respondeu, em ambos os pratos da mesma maneira. Esse facto levou-o a concluir que se tivesse colaboradores em número suficiente para serem distribuídos por muitas outras mesas, os resultados seriam idênticos. António responderia exactamente do mesmo modo às mesmas perguntas formuladas em todas as mesas.
Pediu depois a cada subgrupo que fizesse as suas próprias perguntas ao mesmo espírito. E cada prato deu as respostas correspondentes às perguntas feitas pelos participantes distribuídos pelas diferentes mesas. A mesma entidade podia assim responder em simultâneo a questões diferentes feitas por grupos distintos.
A seguir, com o intuito de verificar como funcionavam os diversos objectos que se encontravam à mão, enquanto instrumentos de comunicação, utilizou uma máquina de furar papel, uma esferográfica, uns óculos e um pedaço de esferovite. Todos esses materiais entraram em movimentos dialogantes, reagindo do mesmo modo que o prato. Para encetarem o diálogo bastava que os experimentadores indicassem ao «espírito» o ponto concreto do objecto que deveria apontar as letras e os números escritos na cartolina branca.
Antes da convocação de um novo espírito, resolveu utilizar o velho prato de plástico, mais funcional devido à sua maior capacidade de deslizamento.
O espírito que surgiu tinha pouca habilidade em matéria de números. Não acertou nos clipes que tinha na mão direita e nem sequer adivinhou as idades das pessoas presentes.
No entanto fez-lhe uma revelação surpreendente: ele teria sido, na sua anterior reencarnação, dinamarquês e cientista, tendo falecido no ano de 1.916. E declarou ainda ser ele o mais inteligente e Antónia a mais estúpida, comentário que soltou gargalhadas aos participantes.
Era a primeira vez que um espírito se referia à sua anterior vida. Não se impressionou com tal revelação, explicando aos companheiros que esta não poderia constituir mais do que uma remota hipótese, provavelmente falsa. Foi então que um dos participantes disse:
-- Se calhar você foi funileiro e ele está a promovê-lo.....
-- O que fazia eu na minha reencarnação anterior?, perguntou de novo.
-- Funileiro, respondeu o prato sem hesitação.
Ouviu-se nova gargalhada geral.
A páginas tantas o espírito rebelou-se, exigindo que fosse Maria e não ele a orientar a sessão.
-- Porquê? Sou mau?, perguntou-lhe.
-- És bom de mais. Gosto de Maria, gosto de Maria, gosto de Maria.
O espírito parecia apaixonado.
Não lhe fez a vontade e decidiu continuar como orientador da sessão. E o prato aceitou o facto continuando a responder-lhe normalmente.
Pouco depois, estando presentes alguns ex-combatentes da guerra colonial, o espírito acusou-o de ter sido entre eles o que mais gente matara. Uma afirmação que preferiu não comentar. Suspeitou no entanto que essa resposta pudesse corresponder à convicção de alguns dos participantes que sabiam ter ele vivido anos de grande violência em África.
Maria era claramente a colaboradora dotada de melhor mediunidade para a movimentação do prato. A ponta do seu dedo anelar imprimia ao objecto uma significativa energia, contrariamente ao que acontecia consigo próprio já que o seu toque não exercia qualquer influência. Mas bastava que Maria tocasse levemente o prato para que este entrasse em movimentos rápidos e decididos.
Em 15 de Setembro voltou a reunir o grupo habitual e conseguiu sem dificuldade colocar três pratos em movimentos simultâneos respondendo do mesmo modo às mesmas perguntas. Algumas das respostas foram idênticas às das sessões anteriores.
Parecia-lhe estranha a insistência dos espíritos em considerá-lo um cientista dinamarquês falecido em 1.916. Não havia razão conhecida que justificasse essa informação. Nem sequer os participantes partilhavam minimamente de tal convicção, que não poderia por isso ter origem nas suas mentes.
E considerava ainda igualmente estranho que também este espírito desejasse o seu afastamento embora, tal como os anteriores, mas não se recusasse a responder às suas perguntas.
Segundo o prato, o participante Fernando havia sido um goês negro na reencarnação anterior e Maria uma portuguesa. Garantiu ainda que os espíritos têm relações sexuais entre si.
Em 16 de Setembro o grupo executou nova experiência. O espírito deu idênticas respostas a questões colocadas em sessões anteriores. Disse também não desejar a sua presença e confirmou que ele fora um cientista dinamarquês.
Perguntou ao prato porque desejava o seu afastamento.
-- És comunista, mataste 16 pessoas, és invejoso e gozão.
-- E que mais?
-- És o mais inteligente.
Eram afirmações que implicavam alguma incoerência.
Não conseguiu mencionar o nome dos filhos de Carla, que estava presente, e recusou-se a dizer qual o ano da sua próxima morte.
Decorridas horas, tentou nova experiência, desta vez apenas com a colaboração de Maria. O prato entrou de imediato em movimento e as respostas às perguntas habituais foram as mesmas. Mencionou a cidade de Faro como sendo o local de nascimento de Maria na reencarnação anterior e a Covilhã como o local da sua morte, no ano de 1920, na Rua Direita.
Posteriormente tentou investigar a correcção dessas informações mas não foi bem sucedido.
Em 22 de Setembro, Rui, Maria e ele próprio sentaram-se à volta de uma mesa e o prato arrancou de imediato, sem qualquer preparação prévia. Era óbvio que a energia emanava daqueles dois colaboradores e não de si. Foram feitas as mesmas perguntas de sessões anteriores e obtiveram-se idênticas respostas.
-- Mas não gostando os espíritos da minha presença, porque é que eles me dizem algumas coisas favoráveis, como por exemplo o ser inteligente e o ter sido cientista?, perguntou.
-- Os espíritos conhecem bem a inteligência. Esta deve ser aproveitada para fazer o bem.
-- Fala da reencarnação anterior de Maria.
-- Foi portuguesa e chamava-se Celina Monteiro.
-- Desejas que algum de nós se vá embora?
-- Sim.
-- Aproxima o prato dessa pessoa.
Imediatamente o prato foi na sua direcção.
Depois o espírito transmitiu uma mensagem a Maria, aconselhando-a a ajudá-lo, orando por ele, porque não era crente.
- Queres terminar esta sessão?
- Sim.
Fizeram-lhe a vontade.
Decorridos alguns minutos voltaram a concentrar-se à volta do prato. Quando este se aproximou do «sim», perguntou-lhe:
-- Que espírito está presente?
- Sou o mesmo.
- Queres que terminemos?
- Sim.
- Permites-me que continue aqui?, perguntou.
- Não.
- Queres que terminemos a sessão, porquê?
- Porque estou a sofrer.
Os três participantes cessaram de novo a experiência.
Decorrida meia hora, voltaram a colocar os dedos no prato e aguardaram o aparecimento de outro qualquer espírito. Mas de novo surgiu o mesmo, como se estivesse amarrado ao grupo e não conseguisse libertar-se.
Maria foi-se embora. Ficaram apenas Rui e ele mesmo.
Arrancaram de novo com o prato e este entrou em movimento sem dificuldade.
Era de novo o espírito anterior, que implorou:
-- Por favor, acabem a sessão!
-- Em que ano morreste?
-- Em 1960.
Retirando o seu dedo, teve oportunidade de confirmar o que já suspeitava: o prato movimentava-se apenas com a energia do Rui.
Acabaram por deixar o suposto espírito em paz.
Em 28 de Setembro reuniu com quatro pessoas, duas das quais colaboravam pela primeira vez. Começou por verificar se os novos participantes eram dotados de algum tipo de mediunidade escrevente.
Amarrou um lápis a um alicate, colocou o conjunto sobre um papel branco e propôs ao espírito que respondesse através daquele instrumento. O pesado objecto movimentou-se com dificuldade e desenhou algumas letras. Mas não escreveu nenhuma frase completa. O mecanismo funcionava mal.
Voltou ao prato habitual e pediu aos colaboradores que fechassem os olhos. O prato rodou ao acaso e não foi capaz de encontrar as letras correspondentes à resposta que pretendia dar a uma determinada pergunta. Logo que todos abriram os olhos, o prato reiniciou o movimento de modo organizado e apontou sem hesitação as letras pretendidas. Confirmava-se assim a conclusão vinda de outras experiências anteriores: os «espíritos» vêem através dos olhos dos participantes.
Esse espírito, às perguntas habituais respondeu de modo similar aos anteriores. E também desejava o seu afastamento. E porque este não lhe fez a vontade, insultou-o:
- Vai para casa chatear outro…, vai à ….!
- Quando morrerei?, perguntou.
- Sei mas não quero dizer.
Depois avançou uma mensagem inesperada.
- Quinta Feira é o fim do mundo.
Uma afirmação disparatada que não oferecia crédito algum, não tendo sequer a mínima hipótese de impressionar ninguém. Mas não vindo obviamente da mente dos presentes porque fizera o espírito tal anúncio?
Algumas das suas convicções iam sendo reforçadas com a repetição das experiências. A de maior relevância era a de que os espíritos revelavam autonomia e vontades próprias. Não lhe parecia que pudessem ser confundidos com o hipotético fenómeno do inconsciente colectivo que andava na boca dos psicólogos e de alguns parapsicólogos.
- Quantos grãos tenho nesta mão?
O prato não acertou. Eram 14 e o espírito referiu 12.
- Sofri para vir até aqui.
- Se não desejas estar connosco, porque apareceste?
- Fui obrigado a vir...
- Por quem?
- Por Deus.
Disse ainda outras coisas que já não constituíam surpresa: os espíritos têm relações sexuais, comem, não fazem casamentos, não há céu nem inferno, etc, etc.
Ia anotando num caderno as observações de maior importância. Naquela fase a sua atenção continuava a incidir particularmente nos indícios que apontavam para uma clara diversidade de características individuais das diferentes entidades dialogantes. Os designados espíritos tinham personalidades próprias, distintas umas das outras. Todos revelavam limitações, uns mais do que outros. Uns mostravam bom humor e mantinham-se dispostos a prosseguir as experiências, outros recusavam-se a colaborar, solicitando aos participantes que os deixassem em paz. Alguns eram delicados e sabedores, outros ignorantes e malcriados, empregando palavrões que chocavam alguns dos participantes. Uns escreviam com dificuldade e com muitos erros, outros expressavam-se escorreitamente. Uns dificilmente acertavam em números, outros adivinhavam-nos com muita facilidade. Uns davam respostas simples e quase previsíveis, outros «falavam» de forma inesperada e zombeteira. Uns não se mostravam especialmente religiosos, outros, a maioria, revelavam grande fervor místico, citando Deus por tudo e por nada, dando bons conselhos aos presentes e deixando mensagens beatas. Uns declaravam que nada sofriam com os diálogos e até se divertiam, mas outros queixavam-se de estar a sofrer. Uns apresentavam uma visão materialista e sensual da sua realidade próxima como se fossem constituídos de carne e osso, outros deixavam transparecer uma visão mais imaterial do seu meio envolvente, dizendo não existirem palavras que permitam aos viventes compreender o mundo em que se movimentam.
Quando a velocidade da comunicação ficava demasiado lenta, solicitava ao «espírito de serviço» que andasse mais depressa. E o prato acelerava, regressando instantes depois à anterior lentidão. E se, de novo, pedia maior velocidade, esta ressurgia por momentos, como se a energia que permitia os movimentos dialogantes fosse regulável através da vontade dos espíritos.
Tudo lhe sugeria a existência de uma legião imensa de entidades imateriais vivendo à nossa volta e influenciando-nos de alguma maneira. Os nossos sentidos normais não têm capacidade de percepcioná-las de forma voluntária e directa mas as nossas mentes podem aperceber-se, intuitiva ou experimentalmente, de sinais da sua presença.
Uma mão escrevente e uma cadeira andante
Apesar de continuar, de um modo geral, a ser mal sucedido, persistia nas tentativas de integrar novos médiuns nas suas incipientes experiências. Quase todos os contactados respondiam já terem ouvido falar desse tipo de coisas mas não acreditarem nelas. E não se disponibilizavam para participar em sessões de qualquer espécie. No fundo, as pessoas tinham medo do desconhecido. Narrando uma das suas experiências a um amigo italiano, católico convicto, este, enquanto ouvia a descrição de alguns episódios, começou a desfalecer, ficando a conversa truncada. Depois de recuperar a normalidade, o italiano confessou que se sentira mal psiquicamente quando imaginou uma cadeira a dar pancadas no chão a mando de alguém.
A missão que se atribuíra ficaria facilitada se estivesse inserido numa organização profissionalizada dedicada ao estudo da parapsicologia. Poderia dispor então de condições ideais e obter resultados de qualidade susceptíveis de conduzirem a convicções mais seguras, fossem elas no sentido da aproximação ou do afastamento da tese que tinha em mãos --- a da imortalidade das mentes humanas. Mas em Portugal não existia nenhuma universidade ou organização científica que fizesse investigações nessa área. Teria de continuar devorando quilos de livros relacionados com as ciências ocultas e o espiritismo, absorvendo ensinamentos teóricos dos especialistas que lhe pareciam revelar maior objectividade nas suas explanações.
Em 1 de Outubro daquele ano, numa soalheira tarde de sábado, obteve algum sucesso pois conseguiu juntar à volta de uma secretária diversas pessoas das suas relações próximas, depois de, metodicamente, durante semanas, lhes estimular a curiosidade. Era um grupo relativamente coeso, constituído por cinco homens, incluindo ele próprio, ligados entre si por laços familiares ou de duradouras amizades.
Tinha à sua frente um médico, dois irmãos comerciantes, um jovem sobrinho destes, e um culto funcionário público. Nenhum dos convidados tivera alguma vez qualquer contacto com o complexo mundo onde os iria integrar durante algumas horas. Sabia que eles não se sentiam à vontade, encerrados naquela pequena sala para cumprirem uma missão que lhes parecia no mínimo esquisita. Mesmo assim, a curiosidade mantinha-os sentados nas respectivas cadeiras, talvez dispostos a tirar a prova dos nove. Seria verdade tudo aquilo de que ele lhes falara ou estavam simplesmente a ser gozados? Só que o consideravam demasiado honesto e respeitável para brincar com coisas sérias.
Antes de iniciar as experiências, fez uma curta palestra.
-- Vou tentar obter convosco as condições necessárias à produção de alguns fenómenos, dos quais andais completamente arredados mas que são velhos como a humanidade. Pela minha parte interessa-me tão só testar as vossas mediunidades e tentar avançar um pouco mais no meu estudo. Apesar de nos conhecemos bem uns aos outros, poderíeis ser tentados a julgar que vos irei ludibriar com truques. Por isso limitar-me-ei, com as mãos nos bolsos, a dar as adequadas instruções para vocês cumprirem.
Com a luz do dia entrando pela larga janela translúcida do escritório, colocou sobre a secretária uma cartolina branca onde estavam desenhadas as letras do alfabeto, as palavras «sim» e «não» e os números de zero a nove. Depois pôs sobre a cartolina um prato com um traço riscado na aba e pediu concentração aos colaboradores.
O fenómeno esperado levou cerca de vinte minutos a desencadear-se. Os participantes sentiam inicialmente algum constrangimento e não conseguiam concentrar-se nem colaborar do modo como ele exigia, algo com que já contava, não obstante a prelecção inicial destinada a uma conveniente preparação psicológica.
Depois de sucessivas tentativas, o prato entrou finalmente em movimento. Como prometera, afastou-se da secretária com as mãos nos bolsos, dizendo aos presentes que, a partir daquele momento, se alguns deles admitissem haver fraude, teriam de desconfiar uns dos outros e não de si.
O espírito que veio ao prato mostrou-se relutante em colaborar e pediu o fim da sessão. Mas não estava disposto a perder aquela oportunidade.
-- Fala-me da minha reencarnação anterior.
-- Eras um físico norueguês, falecido em 1916.
-- Eu sou de um plano astral elevado ou baixo?
-- Mais baixo do que o meu. E o meu é mais baixo do que o do José.
-- Fala-nos da reencarnação anterior do José.
-- Era astronauta. Não foi à lua mas estudava essa ciência. Era alemão e morreu em 1.810.
-- Aponta as pessoas de que não gostas neste grupo.
O prato deslizou prontamente, primeiro para si e depois para José.
-- Há aqui algum médium escrevente?
-- Há.
-- Aproxima-te dele.
O prato aproximou-se do José.
Procurou preparar José para a experiência seguinte explicando-lhe conhecer da leitura de livros especializados aquilo que iria passar-se a seguir e garantindo-lhe que não correria risco algum. Depois colocou um papel branco sobre a secretária e pediu a José que pegasse numa esferográfica e aguardasse que a sua mão começasse espontaneamente a escrever naquele.
Incrédulos, os presentes ouviam atentamente as suas explicações. Depois de verem o prato a «dialogar», quase se dispunham a acreditar em tudo aquilo que lhes fosse dito por si.
-- Escreve a palavra «sim», ordenou ao espírito.
A mão do médium iniciou um movimento lento e as duas primeiras letras foram sendo desenhadas com dificuldade.
Via José pálido, assustado com o que estava a acontecer à sua mão. Sentia que havia perdido o domínio do braço. Uma entidade estranha apoderara-se do seu controlo. Horrorizado, fazia um enorme esforço para subtrair a mão àquela força sobrenatural que o subjugava. Mas a mão não lhe obedecia. Só depois de acabar de escrever a palavra «sim» é que o «espírito» a libertou. E nesse mesmo instante José saltou da cadeira e correu para a porta da rua, fora de si.
Preocupado, seguiu atrás dele. O homem estava muito perturbado com o que acabara de acontecer-lhe.
-- Não sabia que você tem poderes tão extraordinários!
-- Eu não tenho poderes alguns, você é que tem mediunidade escrevente! E tive o cuidado de previamente dizer-lhe o que se ia a passar!
-- Pensei que estivesse a brincar!
Depois de certificar-se de que José estava mais calmo e não corria risco, voltou à sala e continuou as experiências com os quatro voluntários restantes. De José nunca mais iria conseguir qualquer colaboração, tão atemorizado ficou. Tudo aquilo mexia com as suas crenças católicas e não desejava que alguém viesse a pôr-lhe o seu mundo individual de pernas para o ar.
Daí em diante José passou a olhá-lo com especial respeito e admiração, supondo que dominava saberes que mais ninguém possuía.
Na noite desse mesmo dia 1 de Outubro, o grupo, reduzido a quatro elementos, voltou ao escritório para tentar novas experiências.
Depois de cerca de quinze minutos de concentração, o prato iniciou o movimento em direcção ao «sim». Era um espírito limitado.
-- Porque escreves tão mal?
-- Porque sou analfabeto.
-- O que fazia o Sr. Arlindo na anterior reencarnação?
-- Era desenhador de burros.
-- Estás a gozar connosco?
-- Estou.
-- Queres continuar a gozar?
-- Sim.
-- Há aqui algum médium de incorporação?
-- Há.
Aproxima o prato dele.
E o prato aproximou-se imediatamente do Arlindo. Solicitou a este a sua colaboração na experiência que desejava concretizar, explicando-lhe que entraria em transe mas sairia desse estado de forma natural e fácil. Só que Arlindo recusou.
-- Depois deixavas-me ficar inconsciente… Não quero arriscar…
Não insistiu. Para sustos já chegara o de José.
-- Quem é o mais inteligente aqui?
O prato aproximou-se do médico.
-- E o mais burro?
Deslizou para junto do Arlindo. Era uma opinião que ia contra a convicção dos presentes visto que Arlindo era tido por uma pessoa instruída e inteligente.
-- Quem era o Sr. Marco na anterior reencarnação?
-- Era um guarda do Estado espanhol.
Mostrou depois ao grupo como quaisquer objectos poderiam ser utilizados como instrumentos no diálogo com os espíritos, bastando que se convencionasse previamente qual a parte daqueles que serviria de indicador das letras e números. E assim, sucessivamente, utilizou os seus óculos, um furador de papel e outras coisas que estavam no escritório.
Perguntou ao espírito se conseguiria pôr uma pesada cadeira de castanho maciço em movimento.
-- Sim.
-- Arrasta-a para aqui!
E a cadeira foi ao sítio indicado, tal como um cachorro obediente.
-- Agora para este lado!
Continuou a obedecer.
-- Dá dez pancadas com esta perna!
E a cadeira fez o que lhe foi solicitado. Martelou dez pancadas fortes no chão com a perna indicada.
-- Agora dá cinco com esta!
Continuou a cumprir com rigor a ordem.
-- Levanta estas duas pernas do chão.
E a cadeira assim fez.
-- Levanta agora estas três!
Obedeceu.
-- Levanta agora as quatro!
A cadeira começou a fazer um esforço no sentido de erguer a quarta perna mas não conseguiu mais do que manter as mesmas três no ar, ficando a quarta apoiada no chão. Não havia energia bastante.
Dirigindo-se aos participantes, disse-lhes:
-- Vamos agora saber de qual de nós vem a maior percentagem da energia que possibilita os movimentos da cadeira.
Sucessivamente, obedecendo às suas solicitações, foi-se afastando um colaborador de cada vez, enquanto a cadeira continuava com as três pernas no ar. Quando Marco se distanciou, a cadeira baixou de repente as pernas.
-- Marco, aproxime-se agora lentamente, pediu-lhe.
E a cadeira ergueu-se também lentamente, voltando à posição anterior.
-- Dê um passo atrás!
E a cadeira perdeu alguma energia, baixando as pernas até perto do nível do chão.
Também Marco estava espantado com os seus «poderes» e «sabedoria». Nunca tinha visto nada de semelhante na sua vida.
O médico, impressionado com tão estranhos fenómenos que estava presenciando, exclamou:
-- Há dias apareceu-me uma doente no consultório a dizer-me que estivera a falar com uma santa de madeira, colocada numa igreja. E eu diagnostiquei-lhe uma esquizofrenia. Afinal compreendo agora que ela provavelmente falaria verdade. Talvez o esquizofrénico seja eu…
Entusiasmado com as experiências, o médico sugeriu um encontro em Lisboa, envolvendo alguns colegas de hospital, que iria previamente contactar.
Para si seria mais uma oportunidade de testar mediunidades. Só que o clínico não conseguiu as adesões esperadas. Os seus colegas não acreditaram naquilo que ele lhes dissera ter presenciado.
O grupo do doutor Cristino
No final de uma tarde do mês de Janeiro do ano seguinte, ao folhear livros expostos numa livraria especializada em espiritismo situada na Rua do Salitre, em Lisboa, apercebeu-se de um interessante diálogo travado entre um cavalheiro e uma rapariga sobre fenómenos paranormais, um tema que ambos pareciam dominar.
Pediu-lhes então desculpa por se intrometer na conversa e falou-lhes do seu interesse em aprofundar o mundo complicado do qual eles falavam entre si bem como das dificuldades que vinha encontrando no seu empenhado estudo.
O homem respondeu que ambos pertenciam a um grupo espírita organizado que reunia duas vezes por semana, às terças e sextas-feiras. E convidou-o a acompanhá-los sempre que pretendesse.
Marcaram um encontro na Ordem dos Advogados em cujo restaurante almoçaram. Foi uma longa conversa a três sobre tão interessante problemática, a qual se prolongou até cerca das dezassete horas daquela quinta-feira, dia 26 de Janeiro.
No dia seguinte acompanhou o advogado à residência de um velho casal pertencente ao seu grupo espírita.
Eram cerca de trinta os participantes encafuados numa apertada sala de um pequeno apartamento. O ambiente estava impregnado de grande religiosidade e de intenso cheiro a incenso. Sobre um móvel destacava-se um quadro luminoso representando Cristo. Dele irradiava uma luz ténue com uma tonalidade azulada que permitia a cada um ver na penumbra os rostos dos outros.
Não era um local onde se sentisse cómodo, achava-se deslocado naquele ambiente carregado de crença. Mas esse era um dos preços que teria de pagar para prosseguir a sua aprendizagem.
Aquele grupo espírita havia sido criado em Moçambique por alguns portugueses entretanto retornados a Portugal aquando da independência daquela colónia. E desde o seu início tinha como mentor o espírito de Albert Richtofen, um célebre aviador alemão, herói na Primeira Grande Guerra. Ele era designado pelos elementos do grupo, reverentemente, por «Irmão Alberto».
Uma parte daquelas pessoas comparecia habitualmente em todas as sessões. As outras apareciam ocasionalmente, acompanhando participantes habituais, e vinham geralmente com o intuito de obter solução para os seus males de saúde ou para os seus problemas de ordem material ou familiar.
Os elementos nucleares do grupo, incluindo duas médiuns, eram por todos considerados de grande evolução espiritual. Vestiam-se de branco e, no acto silencioso da concentração, abriram os braços, mantendo as palmas das mãos voltadas para cima, como se pretendessem que as extremidades dos dedos servissem de antenas receptoras das vibrações dos bons espíritos.
As pessoas vestidas de branco deram depois as mãos umas às outras com o objectivo de fazerem uma corrente humana potenciadora de energia mediúnica positiva.
Um pouco recuado, ele não passava de um mero espectador no meio de crentes, de mente aberta mas com pouco à vontade naquele meio.
Depois de alguns minutos de silêncio, o primeiro espírito deu sinais da sua presença quando o corpo da médium estremeceu. Esta, a partir desse preciso instante, entrara em transe. Introduzira-se no seu corpo um «doutor» do Além, frequentador habitual das reuniões do grupo.
Olhava a médium com curiosidade. De olhos fechados, ela falava com desenvoltura. Ninguém naquela sala duvidava tratar-se do espírito do falecido médico que comunicava com os presentes através do seu corpo. Enquanto durasse a incorporação, ela permaneceria na completa ignorância do que se passara, como se estivesse a dormir profundamente. Ao acordar, não se recordaria de nada, tendo acesso ao que havia acontecido através dos depoimentos dos «irmãos» ou da audição das vozes gravadas num aparelho colocado num ponto estratégico da sala.
Durante cerca de duas horas a entidade invocada correspondeu às solicitações que lhe foram sendo feitas. Aquele espírito, que teria sido um cientista da medicina em vida, tratava sobretudo de problemas de saúde. Aconselhava receitas naturais, executava com os dedos das mãos da médium rápidos «passes» à volta dos corpos dos doentes, e mandava beber água por si «tratada» através de gestos que os crentes julgavam sagrados e eficazes.
Um dos participantes garantiu-lhe mais tarde que aquele «doutor» do Além havia obtido curas milagrosas. Uma delas beneficiara uma jovem que fora a uma das sessões do grupo em busca de solução para a sua situação dramática. E teve sorte. Sofrendo de leucemia grave, verificou pouco depois dos tratamentos ministrados pelo espírito, que a doença desaparecera. As repetidas análises clínicas posteriores terão demonstrado a normalização dos glóbulos brancos e a completa recuperação da paciente.
Mas nem só de medicina tratou o «doutor» naquele serão. Ele dissertou ainda sobre o funcionamento do Cosmos e dos discos voadores, respondendo às questões colocadas por alguns dos presentes. Todos ouviam as explicações com inexcedível respeito.
Pouco depois foi a vez do espírito de Richtofen incorporar em Maria Helena, a outra médium, uma tradutora profissional nascida em Moçambique, que era a principal animadora do grupo.
Embora hesitante, por recear ferir a susceptibilidade dos crentes, ousou então solicitar autorização ao espírito para fazer-lhe algumas perguntas. O seu pedido foi aceite.
-- Como deveis saber, estudo o espiritismo mas não sou ainda um crente. Tenho muitas dúvidas, confessou a Alberto.
-- Eu sei, irmão.
-- Assim não desejo com as minhas dúvidas chocar os irmãos aqui presentes, que têm certezas que eu não possuo. E se porventura tal acontecer, será conveniente dizerem-mo para eu me retirar.
-- Não penses nisso irmão, és bem-vindo ao nosso grupo e tenho muita satisfação pela tua presença. És mais elevado do que a média dos habitantes da Terra…
-- Tenho feito muitas sessões procurando estudar a comunicação com entidades invisíveis, ditas espíritos. E acho estranho que quase todas elas não desejem a minha presença. Porque será?
-- Tem cuidado com a maneira como orientas as tuas experiências. As consequências poderão ser para ti desagradáveis. Alguns dos espíritos que dialogam contigo têm um nível espiritual muito baixo e as suas cargas negativas são perigosas ao teu equilíbrio. Aqueles que não gostam de ser estudados e se apercebem de que duvidas das suas afirmações, não querem a tua presença. Alguns homens, duvidando de tudo e de todos, centram o seu estudo nos médiuns. Tu preferes estudar os espíritos…
Pediu ainda ao «Irmão Alberto» que respondesse a algumas questões, em especial as relacionadas com o futuro da política portuguesa e com a sua reencarnação anterior. Desejava verificar eventuais coincidências de respostas e tentar avaliar a capacidade de os espíritos preverem o futuro.
-- Poderei dar-te informações na próxima sessão sobre a tua anterior reencarnação, depois de consultar o teu registo acásico. Quanto à política, nós não nos ocupamos disso.
Depois, com o assentimento de Alberto, fez-lhe uma pergunta em pensamento.
Richtofen teve dificuldade de entendê-la.
--Todos os pensamentos do grupo convergem sobre mim e não me é fácil distingui-los, explicou.
Em 14 de Março reuniu quatro dos seus colaboradores do grupo inicial em casa de Roldão.
O objectivo, satisfazendo a proposta de Maria, era pedir a Alberto a cura da tia desta, uma senhora que padecia de leucemia grave, internada no Instituto Português de Oncologia em Lisboa. Para o efeito, ele havia, a pedido de Maria, colocado em Lisboa essa pretensão a Alberto, tendo este prometido que estaria presente na sessão que estavam agora a realizar.
-- Quem és tu?
-- Alberto Richtofen.
Ele, que costumava estar de «de pé atrás», duvidava de que aquele espírito fosse quem dizia ser.
-- Desconfio que não és Alberto. Não és, pois não?
-- Não sou, mas venho em sua representação.
-- Estás outra vez a mentir… Tu não és enviado por ninguém, pois não?
-- Não, nem sequer tenho possibilidade de chegar a Alberto.
A sua presença não agradava ao espírito. Tanto assim que, a uma outra pergunta de rotina, respondeu:
-- Vai-te foder, seu filho da puta...
Alguns dos participantes ficaram encavacados com aquela linguagem violenta.
-- És mais elevado ou mais baixo espiritualmente do que os presentes?
-- Sou mais baixo do que todos vós.
O espírito queria que fosse Maria a dirigir a sessão e não ele. Mas não lhe obedeceu.
Era um espírito trapalhão. Não acertou em coisa alguma, incluindo as profissões e as idades dos participantes.
Pediu aos presentes que fechassem os olhos para verificar como reagiria o prato. Repetiu-se o que acontecera em experiências anteriores, ficando o espírito cego e passando o prato a girar ao acaso, retomando a comunicação apenas quando todos abriram os olhos.
Poucos dias depois, em 17 de Março, inserido no grupo de Cristino, colocou a questão a Alberto. Na presença dos crentes, teria de ser cuidadoso e usar o mesmo tratamento respeitoso que eles utilizavam quando se dirigiam àquela «divindade».
-- O Irmão Alberto não apareceu na minha sessão conforme havíamos combinado!
-- Pois não, mas fiz-me representar.
-- Apareceu de facto um espírito a fazer-se passar primeiro pelo Irmão Alberto, depois por um enviado, e a seguir confessou estar simplesmente a mentir. Além disso era de baixo nível e malcriado…
-- Eu uma vez estive a observar uma sessão tua e vi que os participantes eram de baixa espiritualidade, facilitando a vinda de espíritos baixos.
Foi uma resposta que não o convenceu. Havia ali um jogo oculto entre Richtofen e ele próprio. O primeiro tinha perfeita noção de que o segundo duvidava de si. E o segundo receava que os «Irmãos» mais crentes se sentissem ofendidos ao pressentirem a divergência. Não obstante, cumprindo o insistente pedido de Maria, pediu a ajuda de Alberto à tia daquela.
Alberto prometeu intervir mas a doente faleceu pouco tempo depois.
A anterior vida de Bártolo segundo Richtofen
Algumas semanas depois, numa sessão do grupo de Cristino, pediu ao «Irmão Alberto» que cumprisse o que lhe havia prometido e lhe revelasse dados acerca da sua vida anterior. O espírito respondeu-lhe:
- Mentir-te-ia se dissesse que fui ver o teu registo acásico, pois esqueci-me. Mesmo assim poderei adiantar que foste cientista.
- Físico ou químico?
- Químico
- E qual a nacionalidade?
Aqui Alberto hesitou durante uns segundos mas acabou por arriscar:
-- Eras de nacionalidade francesa.
Naquela sessão, Alberto, como era hábito, fez uma educativa prelecção ao grupo. Depois informou que estava junto de si um espírito muito inteligente, um ex-cientista alemão, o qual se havia portado mal em vida, pois fora responsável pelo assassínio de milhares de jovens.
A seguir incorporou na segunda médium o espírito «doutor», que tratou uma criança recém-nascida e um adulto, através dos habituais passes executados pela médium em transe. Através desta o espírito benzeu ainda duas garrafas de água para serem utilizadas em tratamentos posteriores.
Em 28 de Abril voltou a outra sessão do grupo de Cristino.
Incorporaram sucessivos espíritos, um dos quais disse ser o muçulmano Abdu. Este fez tratamentos a doentes presentes através dos habituais passes.
Por fim incorporou Alberto Richtofen no corpo da médium Maria Helena. O espírito perguntou, como vinha sendo hábito, se os participantes tinham presenciado fenómenos mediúnicos envolvendo cheiros, sons ou visões. Foi então que a outra médium, agora desperta, descreveu as visões subaquáticas com que sonhara: ruas, estátuas e peixes debaixo de água. Alberto explicou tratar-se da Atlântida, acrescentando que o planeta Terra corria o risco de uma destruição próxima. Seria nessa altura que reapareceria aquele continente submerso.
-- Eu estava inserida numa esquisita paisagem, junto de algo que me parecia um morro. Senti as mãos e os pés gelarem-se-me e vi um objecto muito estranho manobrado por seres não menos estranhos…
-- Isso que tu viste não foi fruto da tua imaginação. Foi um disco voador, apenas visível a seres humanos que reúnem a capacidade de entrar num mundo de dimensão diversa do vosso.
Richtofen falou depois de planetas mais avançados do que a Terra, onde existem pessoas de um metro de altura e desprovidas de olhos por não precisarem deles.
Aproveitou o momento que lhe pareceu mais conveniente para pedir de novo a Alberto elementos acerca da sua encarnação anterior. Este aconselhou-o então a combinar uma sessão em privado com a médium Helena. Ambos, ele e Richtofen, poderiam desse modo conversar detalhadamente sobre o assunto.
O desejado encontro decorreu no dia seguinte em casa de Helena, em Algés. Era uma tarde de sábado e não teve dificuldade de encontrar a sua porta.
Notou que várias pessoas aguardavam sentadas numa sala a sua vez de serem recebidas pelo «Irmão Alberto». Algumas delas faziam parte do núcleo principal e desejavam falar a sós com Richtofen através da médium em transe.
Quando chegou a sua vez, aproximou-se. Olhou Helena sentada num sofá, de olhos fechados e bem-disposta. Ela, ou «ele», reconheceu-o de imediato. Carregado de dúvida, pensou : serás realmente o espírito de Alberto ou não passas simplesmente do inconsciente da dona Helena? Que estranho mundo será este?!. Mas tinha de entrar no jogo dos espíritos e auto-convencer-se de que ia comunicar de facto com Richtofen.
Helena estava em transe, de olhos cerrados, mas via tudo o que se passava à sua volta. Nem sequer as paredes da casa constituíam obstáculo, sabendo com rigor quem estava na sala de espera.
--Irmão Alberto, não quero fazer-vos gastar demasiado tempo comigo porque ainda estão várias pessoas à vossa espera na sala ao lado.
-- Eu estou a vê-las, irmão, não te preocupes...
-- Desejava saber coisas acerca da minha última reencarnação.
-- Quanto à tua vida anterior posso finalmente informar-te que foste um cientista francês de nome Alfred Conu, falecido em 1902. Dedicaste-te ao estudo da velocidade da luz e dos raios infravermelhos.
Esquecera-se de levar papel consigo. Tirou do bolso uma esferográfica e uma carteira de fósforos e escreveu nesta as preciosas informações que lhe estavam finalmente a ser fornecidas por Richtofen.
O espírito acrescentou ainda que Alfred não fora um homem de grande evolução espiritual mas andara cheio de preocupações metafísicas, as quais o levaram a estudar as características da luz. Nem sequer fora um indivíduo excepcionalmente brilhante no plano intelectual, tendo sido, apesar de tudo, um homem bom.
Saiu daquela sala sem a convicção firme de ter estado a falar de facto com o espírito de Richthofen, morto em combate no ano de 1918. E menos ainda de ele próprio ter sido «Alfred Conu» na reencarnação anterior, uma personagem da qual nunca ouvira falar. No entanto não rejeitava em definitivo hipótese alguma, por muito improvável que lhe parecesse. Sabia que o mundo não é aquilo que parece ser.
Considerava anormal que a nacionalidade e o ano da morte de «Conu» não coincidissem com os números obtidos em sessões anteriores, envolvendo outros participantes e outros espíritos. Além disso, nem sequer a actividade de físico, que Alberto agora lhe atribuía, se confundia com a de químico pelo mesmo mencionada na reunião em que a questão lhe fora abordada pela primeira vez. Alberto contradizia-se. Era como se os espíritos, tal como os humanos vivos, tivessem memória curta e fossem desprovidos de grandes preocupações de rigor. E avaliando umas coisas, ia retirando ilações em relação a outras.
Por vezes invadia-o a sensação de ter-se introduzido num mundo louco e de estar a enredar-se demasiado nele. Mas não poderia afastar-se a meio do caminho. Teria de ir até onde lhe fosse possível. Importante seria obter argumentos sólidos que lhe proporcionassem convicções, ou até certezas, num sentido ou noutro. E importante também seria conseguir continuar a manter um raciocínio frio e crítico no seio daquele espantoso mundo de crentes acríticos.
Teria ele sido mesmo um tal «Alfred Conu»?!
Pensou iniciar as investigações mas não sabia por onde começar. Consultou os dicionários enciclopédicos que tinha na sua biblioteca particular e não encontrou o nome do tal «Conu». Procurou depois em enciclopédias mais detalhadas mas também nada conseguiu localizar. Possivelmente «Conu» não fora um tipo suficientemente importante para ter direito a espaços em enciclopédias. Ou talvez nem sequer tivesse existido qualquer cientista com esse nome. Poderia tratar-se de uma mera invenção de Alberto Richtofen.
Mas, pensando melhor, interrogava-se: iria aquele espírito, considerado tão elevado pelo grupo de Cristino, dar-me informações grosseiramente erradas sabendo que eu as iria investigar? Richtofen, ou quem quer que ele fosse, estando acima de si, em posição de domínio, se quisesse enganá-lo fá-lo-ia de um modo mais inteligente. Ele era um Deus para Cristino e para os seus irmãos de grupo. Uma divindade que, na perspectiva deles, nunca falhava e cujas afirmações eram sempre rigorosas.
Semanas depois foi avisado por Cristino de que alguns companheiros de grupo mais radicais não viam com bons olhos a sua presença nas sessões. Apesar do cuidado e respeito que punha na formulação das perguntas a Alberto Richtofen, os crentes suspeitavam de que ele intimamente duvidava das respostas desta entidade, facto que os ofendia por constituir um atentado à sua fé. E o mal-estar era de tal ordem que, na sua ausência, o «Irmão Alberto» teve de chamar a atenção do grupo, acrescentou Cristino. Após uma longa dissertação, Alberto terá convencido os seus seguidores a não repudiarem o jovem porquanto ele era um céptico bem intencionado que andava apenas em busca da verdade, não tendo culpa de não ter fé.
As suas primeiras investigações não surtiram efeito algum. Ainda bem que tal nome não existe nas enciclopédias, pensou. Os seus estudos acabariam ali e poria um ponto final na vã tentativa de desbravar uma área tão confusa, esforço que o não conduziria a parte alguma.
Mas a sua inquietação impelia-o, por outro lado, a prosseguir a busca. Metera-se num imbróglio e só poderia dele sair depois de esgotadas todas as possibilidades de o desvendar.
Lembrou-se então de escrever à Embaixada francesa em Lisboa. Sob o pretexto de pretender estudar a obra de um cientista chamado «Alfred Conu», solicitou ao Embaixador que lhe fossem remetidos dados sobre esse cidadão francês, falecido no ano de 1.902.
Estava quase seguro de que a Embaixada não lhe responderia ou, respondendo, lhe diria desconhecer a existência de tal figura. E o assunto morreria ali de vez. Seria melhor assim. Só que, dias depois, um familiar entregou-lhe, junto das velhas muralhas de Santarém, uma carta datada de 7 de Julho, oriunda da Embaixada Francesa. Ao abri-la, teve dificuldade de acreditar no que estava a ler.
«Monsieur,
Comme suite à votre lettre du 4 mai…, j'ai l' honneur de vous transmettre des informations concernant M. Alfred Cornu: deux notices biographiques extraites du "Dictionnaire universel des contemporains" de G. Vapereau et du "Dictionnaire biographique" de J.C. Poggendorff et d' autre part une copie du chapitre consacré par Henri Poincaré à Alfred Cornu dans son livre intitulé "Savants et Ecrivains".
Je vous prie de croire, Monsieur, à l'assurance de ma consideration distinguée.
Maurice de Vincelles»
Percebeu então porque não encontrara "Conu" nas enciclopédias. O nome certo era "Cornu". Todos os elementos que o espírito, através da boca da médiun Helena, lhe comunicara e ele anotara na carteira de fósforos, coincidiam! Tinha começado a desenrolar um intrincado novelo e não havia meio de chegar ao fim!...
Confirmou assim numa enciclopédia que Cornu foi um físico francês nascido em Março de 1.841, fez todos os seus estudos no liceu de Orléans, foi admitido na Escola Politécnica em 1.860 e, dois anos depois, na Escola de Minas, saiu como engenheiro em 1.866, foi nomeado professor de física na Escola Politécnica em 1.867, foi eleito membro da Academia das Ciências em 3 de Junho de 1878 devido a importantes experiências sobre a velocidade da luz e os raios infravermelhos, etc.
Nos dias que se seguiram reflectiu longamente sobre o novo quadro que se lhe deparava. Teria ele vivido anos antes na pele de um outro indivíduo de nome Alfred Cornu? A sua convicção íntima afastava-o dessa possibilidade. Não sentia o menor sinal indiciador de que Cornu tivesse alguma coisa a ver consigo. Já estivera em Orleães e em Paris, e percorrera grande parte de França sem que alguma vez tivesse sido tocado pela mínima sensação de ter vivido anteriormente naquelas paragens. De resto, mesmo que numa rua de uma qualquer cidade francesa ele fosse assaltado por uma recordação vaga de uma vida anterior, uma espécie de «déja vu», continuaria a duvidar ter sido Cornu.
No entanto, em termos racionais não poderia afastar aquela hipótese. Era tão legítimo defender como negar, crer como descrer, ter sido Alfred Cornu numa reencarnação anterior.
Também o doutor Cristino andara em tempos às voltas com a sua anterior reencarnação. Contara-lhe ter ido de propósito à Holanda, acompanhado da esposa, com o objectivo de investigar o local onde ele próprio vivera uma vida anterior, revelado numa das sessões de Richofen. E, segundo o advogado, terá valido a pena porque conseguiu certificar-se da veracidade das informações fornecidas por essa entidade. Com efeito, embora nunca tivesse estado anteriormente na povoação holandesa indicada por Albert, percorrendo-a, sentiu haver uma espécie de bússola na sua mente que o conduzia para esta ou aquela rua, onde acabava por lembrar-se claramente de ter andado por ali numa outra vida. E tendo sido algumas casas demolidas e substituídas por outras, enquanto caminhavam, ele ia descrevendo à esposa como se encontrava anteriormente o lugar. Depois, conversando com velhos habitantes locais, obteve destes a confirmação dos seus pressentimentos, facto que o terá convencido definitivamente.
- Mas não se tratará daquela sensação a que os psicólogos chamam «déjà vu»?, insistia.
-- Não, eu estou absolutamente seguro de que a minha mente conhecia o local pelo simples facto de eu já ali ter vivido. Fui tomado por sensações difíceis de explicar que me deram essa certeza. Nunca tendo ali estado na vida actual, como poderia eu saber como eram certos lugares antes de estes terem sido modificados?
Estava convicto de que experiência idêntica jamais ocorreria consigo, pondo de lado a hipótese de voltar expressamente a França para proceder a qualquer investigação nos locais frequentados por Alfred Cornu. Não teria Alberto Richtofen retirado os elementos referentes a Cornu de uma qualquer enciclopédia? Estava seguro de que a médium Helena seria incapaz de mentir-lhe mas duvidava intimamente da veracidade de muitas das informações obtidas pela via do espiritismo, por maior que fosse a elevação atribuída aos espíritos intervenientes.
No entanto, a dúvida martelava-lhe na cabeça. E se for verdade? Eu não poderei ter a certeza de que fui ou não fui Alfred Cornu, e deverei admitir ambas as hipóteses como possíveis… Terei de facto morrido em 1.902 em França e renascido mais tarde em Portugal? Ou teria Alberto Richtofen, para ver-se livre de mim, avançado a identificação do primeiro personagem que encontrou numa qualquer enciclopédia? A ser assim, porque não terá ele indicado o nome de uma outra figura ligada à ciência mais consentânea com as informações obtidas em sessões realizadas anteriormente e que apontavam para um cientista de nacionalidade dinamarquesa falecido no ano de 1.916?.
Richtofen era uma espécie de Divindade para os elementos do grupo do doutor Cristino. Mas, vistas bem as coisas, não lhe parecia que essa entidade tivesse sido um grande exemplo em vida. Embora fossem muito apreciadas pelos inimigos as suas provas de coragem, de cavalheirismo e de sentido da honra revelados nos sangrentos combates aéreos que travou, a verdade é que, antes de ter sido abatido no momento em que perseguia um piloto canadiano, já havia metralhado e morto muitos pilotos adversários e derrubado mais de oitenta aviões. Pensava que um indivíduo de grande elevação espiritual jamais mataria seres humanos em simples jogos de guerra.
Porém, Cristino e os seus companheiros de grupo estavam bem cientes de que o «Irmão Alberto» era um espírito de grande elevação e cujas afirmações eram sempre rigorosas.
E quando ele aparecia ocasionalmente nas reuniões do grupo, um ou outro dos seus elementos principais insistia:
-- Não tenha a menor dúvida de que você foi mesmo Alfred Cornu na sua reencarnação anterior!
A viagem a Atakaris e as teses de Rampa e Quevedo
Em 2 de Junho do ano seguinte, o terceiro ano dos seus estudos sobre fenómenos do âmbito da parapsicologia, surpreendido, ouviu da boca do doutor Cristino a narração de uma estranha experiência.
Durante 7 dias, 7 elementos do seu grupo espírita, incluindo ele próprio e a médium Helena, cumpriram uma dieta rigorosa, eliminando das suas mesas a carne, o peixe e o álcool. Desse modo os seus organismos terão adquirido as condições ideais de mediunidade para participarem na mais importante experiência até aí realizada pelo grupo.
Em 7 de Maio, o dia determinado por alguns seres extraterrestres apresentados ao grupo de Cristino por Richtofen, as 7 pessoas escolhidas juntaram-se em casa da médium Maria Helena. Esta viajaria numa nave ao planeta «Atakaris», da constelação «Sirius», designações que ignorava de todo.
Junto da nave, 7 extraterrestres aguardavam Helena. Esta, sentada numa das cadeiras da sala, em estado de transe, durante as cerca de duas horas de duração da experiência perdeu 7 quilos, medidos numa balança.
O fenómeno foi fotografado e filmado por dois elementos do grupo, enquanto uma médium vidente em transe desenhava em várias folhas de papel a nave e os extraterrestres. Para os que permaneceram despertos na sala a sessão durou apenas duas horas, mas para Helena a sua viagem demorou cerca de um ano, durante o qual ocorreram extraordinárias peripécias que ela, ao acordar, narrou detalhadamente aos seus Irmãos. Aquela experiência parecia demonstrar a verdade sobre os ovnis e, de certo modo, a teoria da relatividade de Einstein.
Cristino mostrou-lhe algumas das fotografias, feitas durante a sessão. Olhava-as cuidadosamente e nada conseguia vislumbrar.
-- Não vê aqui neste ponto uma nave?
Incomodado por nada enxergar, mas não sendo mentiroso, não poderia declarar ao amigo que via aquilo que na verdade não via. Talvez apenas os médiuns videntes, que não ele, pudessem ver essas coisas. Se o filme que haviam feito era idêntico àquelas fotografias, também esse registo nada lhe diria, pois vê-lo-ia igualmente vazio. Além do mais, pensava que eram experiências que se processavam a nível psíquico, sendo inútil fotografá-las ou filmá-las. Apenas a fé dos crentes poderia levá-los a ver num rolo vazio imagens que não se encontravam lá.
A crer em certas descrições de viagens astrais feitas por especialistas, a mente será capaz de viajar no espaço com velocidade superior à da luz. Porém, não tinha meios ao seu alcance que lhe permitissem confirmar ou infirmar tal possibilidade, embora a tivesse de admitir em teoria.
Cristino merecia-lhe toda a confiança. Considerava-o um homem sério e incapaz de mentir-lhe. E não duvidava de que a sua versão dos factos narrados correspondia com rigor à sua convicção. Só que não poderia deixar de atribuir à experiência da viagem astral de Helena ao desconhecido planeta Atakaris o mesmo valor da vivência de Cristino na Holanda. Aquilo que para ele era uma verdade absoluta e inegável, para si não passava de uma dúvida profunda.
Releu algumas linhas escritas por Lobsang Rampa sobre esse tema, na lição 9 do «Você e a Eternidade», 11ª edição, Editora Record, Brasil.
«É inteiramente impossível que um corpo espiritual se ajuste a um corpo carnal. Ambos estão ligados pelo cordão de prata. Este é uma massa de moléculas vibrando em velocidade tremenda e de certo modo apresenta-se semelhante ao cordão umbilical que liga a mãe ao filho. O homem é um espírito encerrado por período breve num corpo de carne e osso a fim de que possa aprender lições e adquirir experiências que não poderiam ser adquiridas por um espírito sem o uso de um corpo.
O corpo carnal do homem é um veículo que se vê impulsionado pelo eu maior, isto é, pela alma. O cérebro representa uma estação de relé, um centro telefónico que recebe mensagens do eu maior e converte as ordens do mesmo em actividade química ou física que mantém o veículo vivo.
Não existem limites ao conhecimento do eu maior. Quase todos abandonam o corpo quando dormem mas ao acordar sabem apenas que tiveram um sonho.
Qualquer pessoa pode deixar o corpo e fazer viagens astrais mas é preciso acreditar que o possa fazer, sendo absolutamente inútil para quem emite pensamentos contrários. O medo é o grande freio. Alguns têm medo de que, deixando o corpo, possam não voltar a ele ou que alguma outra entidade possa entrar nele. Mas isso não é possível.
O homem, quando desembaraçado dos seus próprios medos e restrições estúpidos, poderia ser quase um super-homem, com poderes muito aumentados.
O pensamento está onde você quiser que esteja. Vamos treinar um pouco. Imagine que você tenha saído do corpo e que está de pé ali olhando para o seu corpo físico. Deixe-se flutuar no aposento como uma bolha de sabão. Deixe que o seu corpo físico permaneça à vontade. Acostume-se a essa viagem astral elementar porque, enquanto não estiver habituado a vaguear ociosamente por um aposento, não poderá aventurar-se com segurança no exterior. Essa viagem astral é fácil e não apresenta problema algum enquanto você acreditar que a possa efectuar. De forma alguma você deverá sentir medo. Na viagem astral você está seguindo para a liberdade e só quando regressa ao corpo ficará aprisionado. Se não tiver medo, o corpo astral afastar-se-á devagar, flutuará, poderá olhar o corpo físico deitado na cama. Advertimos que muitas vezes isso constitui uma experiência humilhante. Muitos de nós fazem uma ideia errónea acerca da aparência que temos e alguns, quando olham o seu corpo deitado, ficam horrorizados com a sua fealdade… Deixe o seu aposento e vá para a rua… Com a prática conseguirá ir a qualquer parte. E se alguma coisa estiver acontecendo ao seu corpo físico, você será puxado para ele com a velocidade do pensamento.
Ao voltar ao seu corpo carnal, você poderá notar que este está endurecido. E o regresso não é agradável. Muitas das cores que viu e muitos dos sons que ouviu no astral, não conseguirá vê-los nem ouvi-los dentro do seu corpo físico. No plano astral conhecemos criaturas notáveis, espíritos agradáveis e bons. Mas também existem criaturas horríveis, que devem ter sido vistas por alguns dos autores da mitologia e da lenda. Algumas são de baixo nível e poderão mais tarde encarnar em seres humanos ou em animais.
Quando você se ergue nos planos astrais, poderá ver faixas grandes e brilhantes de luz que ainda não está preparado para entender. No astral médio, poderá visitar amigos ou parentes, cidades longínquas, poderá mesmo ler livros em diversas línguas estrangeiras que normalmente desconhece. No plano astral todas as linguagens são conhecidas».
Por seu lado, Óscar Quevedo tinha uma posição diferente, como descreveu no seu livro «A Face Oculta da Mente»:
«Para que se possa ver até onde chega o inconsciente nas suas elaborações, usando dados armazenados na sua memória colossal…, analisemos a viagem a Marte da médium Helena Smith em sessões espíritas sob o comando do Dr. Lemaitre».
Segundo Quevedo, o próprio inconsciente da médium inventou a «língua marciana» mas isso não passaria de uma «algaravia».
Concluiu Quevedo que «o inconsciente não só pode fazer tudo o que o consciente faz mas inclusive supera o consciente amplamente em inteligência» (p
A última experiência
Carvalho era um simpático militar na reserva, pai de um jovem casal das suas relações. Ele evitava abordar questões relacionadas com as suas comissões de serviço nas antigas colónias portuguesas mas adorava dissertar sobre temas exotéricos. Via-o com frequência no Café lendo livros de ocultismo. Daí que esse fosse o tema principal das suas conversas quando ocasionalmente se encontravam.
-- Vou pôr um ponto final na minha investigação, confessou-lhe.
-- Por quê?, perguntou Carvalho.
-- Acho que já aprendi o que tinha a aprender e não poderei avançar muito mais com os meios que tenho ao meu alcance. Considero que, apesar de tudo, terá valido a pena o tempo que dediquei ao meu estudo solitário. Só que acabei por chegar à conclusão de que, para adquirir convicções firmes nesta complicada área, não me bastará a simples ferramenta da minha racionalidade, que é o único instrumento de pesquisa que possuo. Teria de transformar aquilo que eu designo de meras probabilidades em certezas definitivas, por um mero acto de fé. E isso eu não consigo, nem quero…
-- Quer orientar uma sessão na Vila com um grupo de amigos meus?, perguntou Carvalho.
Era a segunda vez que alguém lhe propunha por iniciativa própria a orientação de uma experiência espírita.
-- Você não vai conseguir reunir ninguém, toda a gente foge disto como o diabo da cruz!... De qualquer modo tente, será a minha última experiência. Convide quem quiser, mas de preferência gente culta e de convicções materialistas.
Enganou-se. Naquele dia de sábado, 30 de Junho, ao entrar numa sala de um edifício na Avenida da Liberdade, ficou surpreendido por ver sentados uns seis homens que os aguardavam. E, como veio a saber mais tarde, todos eles tinham fortes convicções materialistas, estando alguns ligados ao Partido Comunista.
Como era seu hábito, antes do início da experiência, dissertou sobre a natureza dos fenómenos cujo desencadeamento iriam tentar provocar naquele fim de tarde.
-- As entidades imateriais que dialogam connosco nestas experiências dizem ser espíritos de pessoas falecidas. No entanto, alguns sectores do catolicismo tradicional, garantem tratar-se do Diabo, hipótese na qual não será fácil acreditar tendo em conta que muitos dos conselhos que se obtêm nas sessões de espiritismo são demasiado positivos para serem dados por uma entidade malévola. Por sua vez, alguns psicólogos defendem que aquelas entidades não passam do inconsciente individual ou colectivo dos participantes, expressão que julgo ter sido utilizada e defendida pela primeira vez pelo psicólogo suíço Yung, discípulo de Freud. Assim, se alguns fenómenos interessantes surgirem durante a nossa sessão, procurem evitar ficar deslumbrados ou assustados, não retirem conclusões precipitadas e mantenham-se lúcidos. Terão depois muito tempo para reflectir…
Ouvidas estas explicações preliminares, o grupo, para seu espanto, conseguiu concentrar-se sem dificuldade.
O prato iniciou o movimento sobre a cartolina branca e «disse» algumas coisas curiosas.
- És um espírito?,
- Não sou um espírito.
- Então o que és?
Não respondeu.
- És o Diabo?
- Não.
- És a minha pessoa?
- Em parte.
- És o inconsciente colectivo?
- Sim.
- Existem reencarnações?
- Não.
Era a primeira vez que um «espírito» se identificava com o inconsciente dos participantes, o que não deixava de ser um dado interessante, embora não surpreendente, visto que já constatara algumas vezes que muitas das respostas dos seres dialogantes eram claramente influenciadas pelas convicções dos experimentadores.
Pareceu-lhe que não valia a pena perder mais tempo e deu por finda a experiência, deixando os participantes trocando impressões entre si sobre aquilo que haviam acabado de presenciar.
Afastou-se reflectindo sobre aquela curta sessão.
Segundo alguns, o «inconsciente colectivo» estaria na base dos movimentos do prato e de todas as comunicações que dele emanavam. Mas o que é isso do «inconsciente colectivo»? Será possível que o somatório dos inconscientes de um grupo de pessoas se divirta enganando-os? Fará algum sentido que uma pessoa, sem o saber, retire proveito ou prazer enganando-se a si própria? Essa não será uma hipótese de explicação bem mais absurda do que a da aceitação simples da existência dos espíritos?
Quando, anos depois, voltou a passar na região de Paris, perto dos sítios onde vivera Cornu, perguntou a si mesmo se valeria a pena ficar por ali alguns dias e esperar que ocorresse consigo uma vivência idêntica à de Cristino na Holanda. Mas, faltando-lhe convicção, pareceu-lhe que qualquer diligência nesse sentido representaria uma pura perda de tempo. Mesmo que porventura viesse a viver, como aconteceu com Cristino, uma sensação do tipo «déjà vu», não se convenceria facilmente de que isso constituía a prova de uma reencarnação anterior nem da sua identificação com Alfred Cornu. Embora considerando muito sérias as probabilidades da imortalidade do espírito e da sua reencarnação, não podia deixar de admitir a vaga possibilidade de existir uma outra qualquer explicação para fenómenos tão complexos.
O doutor Bártolo da Fonseca não adquiriu assim certezas definitivas, nem sequer atingiu convicções firmes susceptíveis de atenuar-lhe substancialmente a angústia existencial que o acompanhava desde os verdes anos da adolescência. Apesar de tudo, ele pensava ter valido a pena percorrer aquele sinuoso caminho que o havia ocupado durante mais de três anos. Aproximara-se, pela via da racionalidade, de uma tese que antes lhe parecera intragável – a da imortalidade da consciência de cada pessoa bem como a possibilidade da sua posterior reencarnação.
Perseguindo a Verdade, avançara em áreas que dantes ignorava de todo. E ficou com a impressão de ter encalhado muito perto da meta, quando a escuridão da caminhada já não lhe permitia ver o trilho que seguia.
Não se passa facilmente de um certo modo de ver o nosso mundo, forjado desde o nascimento, para um outro muito diferente. Talvez os mundos psíquicos humanos, incluindo aquele onde julgamos viver, nem sequer passem de uma grande ilusão.
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