domingo, 8 de maio de 2011

O AÇORIANO



Antigamente, quando era adolescente, fazia-me impressão ouvir, na Ilha de São Miguel, uma linguagem com uma estrutura portuguesa mas com um sotaque afrancesado. Ao princípio não percebia nada do que os açorianos me diziam mas, aos poucos, fui-me adaptando e acabei, eu próprio, por aprender a falar quase correctamente o são micaelense. Tanto assim que, quando entrava nos bairros problemáticos de Rabo de Peixe, todos me entendiam e eu a todos compreendia. Era como se estivesse na minha terra.

Fiquei desse modo a gostar do sotaque de São Miguel. Até ao dia em que apareceu no parlamento português, com as vestes de deputado de primeira linha, um ex-secretário açoriano, demitido na sua terra, a braços com a justiça. Poderia o homem ter um discurso independente, racional, até eivado de verdades incómodas, mas optou por ser a voz fiel do dono, um defensor intransigente de tudo o que o chefe diz ou faz, bem ou mal, com argumentos sem sentido inteligível. Já não consigo ouvi-lo.

-- Desliguem-me o televisor!, grito em casa, quando o vejo.

O sotaque são micaelense passou a soar-me mal ao ouvido, agora não o suporto.
E já sei que o homem, para mal dos meus pecados, vem outra vez nas listas, em lugar elegível. Por um lado poderá ser bom para os açorianos porque afastará muitos votantes. Mas por outro, tendo o lugar assegurado, estarei condenado a voltar a ouvir-lhe as baboseiras durante mais não sei quanto tempo. Meu pai, que também não o grama, desabafou há dias:

-- Aquele tipo é de Rabo de Peixe ou tem peixe no rabo?

Confesso que não compreendi o alcance da pergunta. Nem tentei esclarecer-me porque o meu progenitor tem mau feitio. Mas sabe demasiado…

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