quinta-feira, 11 de agosto de 2011

A ILUSÃO DA VIDA - 2

Os sentidos e a inteligência humanos -- instrumentos cujos mecanismos a vontade não consegue controlar, captam por vezes apenas ilusões, como nos sonhos. Enquanto sonhamos, temos a certeza de estarmos vendo e ouvindo imagens e sons reais, mas ao acordarmos, apercebemo-nos de que essa vivência não passou de uma ficção. E se houver vida para além da morte, provavelmente o mesmo subjectivismo continuará a persistir, cada um julgando que o novo mundo onde passou a movimentar-se é a autêntica realidade. Dizem alguns estudiosos, crentes na vida além-túmulo, que depois da morte muitos espíritos ficam convencidos de estarem a viver num belo mundo material, onde possuem os prados e os cavalos com que sonharam em vida e nunca tiveram.

A capacidade de percepção dos sentidos com que cada criatura está dotada, varia não apenas entre os indivíduos da mesma espécie mas também entre indivíduos de espécies diferentes. A realidade percepcionada por um ser humano não é a mesma que é apreendida por um morcego ou por um cão. Cada um percepciona apenas uma parcela maior ou menor e não toda a realidade. Os olhos humanos não vêem a electricidade nem as ondas magnéticas que cruzam o espaço e cuja existência é mensurável através de aparelhos específicos.

A noção do tempo também é subjectiva. Varia de pessoa para pessoa e, no mesmo indivíduo, varia em função da idade. A fase mais agradável e colorida é quase sempre a da infância, quando a criança está inserida num meio equilibrado e protector, sendo nessa altura que as boas ou más experiências, gravadas com grande intensidade na mente, mais poderão condicionar os comportamentos futuros. Não será por acaso que grande parte dos emigrantes, ao reformarem-se, desejam regressar aos seus locais de origem. Apenas uma minoria, influenciada por recalcamentos negativos ligados aos lugares da infância, prefere não voltar. Se disserem a uma criança de cinco anos de idade que a sua existência poderá arrastar-se até aos oitenta ou noventa, ela ficará com a impressão de que, na prática, viverá eternamente. O fenómeno da morte será para si algo de abstracto e distante, insusceptível de a afectar, dizendo respeito apenas aos velhos, aqueles que já cumpriram uma longa vida. Ao entrar na adolescência, a mesma criança ganha uma noção mais real do tempo e sofre um choque ao confrontar-se pela primeira vez com uma nova versão da vida, bem diversa daquela que abarcara anteriormente. É então compelida a reflectir sobre o mundo que a rodeia e a tentar entendê-lo. Perturba-a a morte súbita, por acidente ou por doença, de gente das suas relações próximas. Repara que os seus pais vão ficando envelhecidos e os seus avós cada vez mais encarquilhados. Parece-lhe então evidente que uns e outros estão a aproximar-se do fim. Adquire uma noção mais nítida da insegurança da vida, que poderá terminar abruptamente, a todo o momento, quando e onde menos se espera. Mais tarde, depois dos trinta, a antiga criança é confrontada com o sentimento de que o tempo passa demasiado depressa. E aos quarenta, ela já anda preocupada com a sua própria entrada na fase da decadência física, vendo alguns dos seus amigos próximos a sucumbir a doenças vasculares e outras. Pensa então que, se os últimos dez anos decorreram num ápice, os vinte próximos não tardarão a ser devorados ainda com maior celeridade subjectiva. Aos sessenta, já a velhice é um facto irreversível, adquirindo por essa altura a noção de estar a descer o último lance das escadas da vida. O futuro estreita-se como um funil e muitas coisas outrora interessantes deixam de o ser.
(texto do autor do blogue)

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