domingo, 3 de julho de 2011

O TI JOÃO

Notava nos últimos tempos alguma tristeza no ti João, um simpático vizinho lá do prédio, habitualmente bem-disposto e folgazão. Andava de orelha murcha e muito mais magro desde a morte da mãe por apoplexia, há alguns meses, limitando-se agora a sair de casa apenas para comer alguma coisa e tomar a bica no café mais próximo. Como se não lhe bastasse aquele drama, poucas semanas depois a empresa onde trabalhava faliu.
Com cerca de 60 anos de idade mas sempre activo e sociável, optara pelo celibato explicando-me um dia que lhe seria penoso aturar uma mulher por toda a vida. Por vezes, antes daqueles eventos negativos, via-o na discoteca, gaiteiro, conversando com mulheres muito mais novas. Mas o mundo familiar dele limitava-se à presença da mãe, uma velha senhora, muito prestável e movimentada.
Deixei de vê-lo correr nos fins de tarde no parque das Túlipas, não colaborou na organização das últimas festas de São João no nosso bairro e até não voltou a comparecer nas assembleias de condóminos. Por fim deixou de ser visto no café.
Investiguei o seu paradeiro e descobri-o internado no Lar de Santa Cruz. Meteu-me pena vê-lo sentado, cabisbaixo, ladeado de velhinhos caquécticos de pés para a cova.
-- Você tão novo e aqui internado, ti João?!
-- Sinto-me velho e não tinha alternativas, não sei cozinhar, vivia só e os dias estavam-me a ficar pesados…
-- E aqui, sente-se bem?
-- Muito mal, o meu companheiro de quarto não me deixa dormir, passa as noites a gemer, e sinto-me completamente desintegrado nesta comunidade decadente, mas lá fora não me sinto melhor, aqui ao menos fico sentado e pronto...

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