Hoje passou por mim uma ambulância demasiado apressada e veio-me à memória um triste acidente em que a vítima não teve oportunidade de beneficiar de assistência especializada. Nem o meu curso de socorrismo lhe valeu de nada.
Ia na estrada da Beira e vi algumas pessoas junto de um carro espetado numa árvore. Nenhuma autoridade, nenhuma ambulância, nenhum bombeiro. A consciência obrigou-me a parar. Era um veículo de matrícula francesa onde se fazia transportar um casal de emigrantes. Ele, cá fora, chorava copiosamente. Ela, inconsciente, estava entalada dentro e perdia sangue.
Urgia estancar a hemorragia mas antes disso tinha de retirar a mulher.
-- Quem tem uma corda forte?
Apareceu alguém com uma corda. Atei-a ao carro, liguei-a à árvore e gritei:
-- Puxemos o carro para trás para desencarcerar a mulher!
As pessoas obedeceram-me. Todos faziam um grande esforço
-- Alto aí! Ninguém mexe!
Surpreendidos, suspendemos o nosso trabalho. Aquele indivíduo seria alguma autoridade habilitada?
-- Sou autarca!, esclareceu o palerma.
Voltámos à nossa inadiável tarefa mas a mulher acabou morrer no local. Os minutos preciosos gastos com a estupidez do autarca foram prejudiciais mas não decisivos. Mesmo assim as pessoas enfureceram-se.
-- Fuja para aquele pinhal antes que o linchem!, disse-lhe ao ouvido.
O homem fugiu, a noite caiu e eu, sorrateiramente, procurei-o na mata.
-- Você fez mal em estorvar o nosso trabalho, sabíamos o que estávamos a fazer. De qualquer modo a mulher não sobreviria. E agora está você em apuros e sinto o dever de retirá-lo daqui.
O autarca, com as lágrimas nos olhos, implorava-me que fosse buscar-lhe o carro, entregando-me a chave e indicando o sítio onde aquele se encontrava. Mas a viatura estava guardada por gentalha que aguardava a chegada do dono para lhe malhar. Não consegui compreender como haviam feito tal descoberta.
Voltei ao pinhal e conduzi o autarca para a estrada, longe da multidão. Pedi boleia a um camião que passava e o autarca entrou e seguiu viagem.
-- Peça a comparência da autoridade na próxima povoação!, gritei-lhe.
E fui-me embora, afundando-me no assento e escondendo parte do rosto com uma mão na esperança de não ser reconhecido e não pagar as favas por ele.
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