terça-feira, 29 de novembro de 2011

CAOS QUE AÍ VEM – 20 (último capítulo)

Quando, há meses, me pareceu que a Europa estava a caminhar, irreversivelmente, para o abismo, escrevi o primeiro texto subordinado ao título «CAOS QUE AÍ VEM». O meu amigo Daniel, sempre optimista e bem-disposto, sorriu, com ar de gozo. Depois, quando leu o meu texto «Viagem ao Futuro», riu às gargalhadas. Ele não acreditava que existisse tal abismo. E eu senti-me mais confortável por ele não acreditar. O Daniel já não ri agora, noto que anda preocupado. É a ele que dedico este texto, já aqui publicado mas agora ligeiramente retocado. Só para o assustar.

 VIAGEM AO FUTURO
21 de Março de 2012
Nunca se vira uma coisa assim ao longo de séculos. Tudo começou em 31 de Dezembro de 2011 quando, inesperadamente, o parlamento alemão tomou uma medida drástica: a saída do seu país do euro e o regresso ao marco, já prévia e secretamente impresso em grandes quantidades. Os governos europeus protestaram mas os germânicos mostraram-se inflexíveis e aquela decisão inabalável representou o fim abrupto da moeda única, que deixou de ser aceite internacionalmente e dentro da própria Europa. O pagamento das tranches aos países resgatados foi suspenso, Itália, Espanha e outros Estados europeus mais fragilizados entraram em bancarrota, e a França, para manter alguma actividade económica, pediu auxílio aos EUA e à China. Em Inglaterra regressaram os motins, com maior amplitude, e na Grécia os mais exaltados saem às ruas e incendeiam tudo o que tenha a ver com a Alemanha, incluindo escritórios, bancos e automóveis das marcas Mercedes, Áudio, VW e BMW.
Em Portugal os depósitos bancários deixaram de ter valor, os pagamentos aos funcionários públicos, aos pensionistas e aos trabalhadores do sector privado foram suspensos, as bombas de gasolina e os Bancos estão encerrados, raros automóveis são vistos a circular nas perigosas estradas, os hospitais funcionam a meio gás por falta de recursos, a electricidade é cortada 12 a 18 horas por dia, e pelas ruas inseguras das cidades espalharam-se exércitos de miseráveis, muitos deles crianças, implorando auxílio. Hordas de bandoleiros, saídos das periferias das grandes cidades, destroem tudo quanto encontram na via pública. Em Lisboa já incendiaram a Assembleia da República, diversos ministérios e centenas de estabelecimentos comerciais, perante a ausência total de policiamento. Muitas pessoas perguntam para que servem os 40 mil militares das forças armadas, cuja presença ninguém notou ainda. A desordem e o caos são generalizados. Alguns têm esperança de que certos países emergentes nos dêem algum tipo de ajuda, mas esta tarda em chegar e os mais debilitados vão morrendo à fome ou pela doença. Os engenheiros camarários João e Augusto, na luta pela sobrevivência, fugiram da capital e refugiaram-se nuns terrenos agrícolas na zona de Nafarros, que passaram a cultivar com empenho. Durante o dia trabalham sem parar mas durante a noite enquanto um dorme o outro vigia as hortas, revezando-se, na esperança de os seus produtos não serem roubados. Muitos milhares de pessoas estão a abandonar as cidades e a caminhar em direcção aos campos abandonados das Beiras e do Alentejo.
Em grande parte da Europa, e mesmo nos Estados Unidos, existe uma onda crescente de ódio contra a Alemanha que, ao que consta, está a reforçar as suas forças armadas e a aumentar a produção de material bélico, enquanto o partido nacionalista «Verdes pelo Povo» incita os alemães a escorraçarem milhões de imigrantes e a tomarem posições defensivas contra possíveis ataques dos povos «chulos» do mediterrâneo.
A situação dos «cubanos» (portugueses do continente) é desesperada mas a dos habitantes da Madeira não é melhor. Devido à desorganização caótica do país, o Banco de Portugal não conseguiu fazer circular escudos e as actividades económicas também ali estão paralisadas. Espalhou-se uma onda de insegurança pela ilha, com pilhagens, assassínios e fogos postos. Os turistas desapareceram, o comércio e os bancos estão fechados mas o «Mercado dos Lavradores» do Funchal mantém-se aberto. Os pescadores expõem o seu peixe no piso inferior e os agricultores colocam os produtos nos dois pisos superiores. Trocam-se géneros alimentícios por outros bens tangíveis, não circula dinheiro. Ninguém sabe do paradeiro de Alberto João Jardim mas consta que ele fugiu para as Canárias num veleiro logo que lhe incendiaram a casa. Também a residência do representante da República foi vandalizada passando este a morar numa fragata da Marinha atracada no porto e guardada por 120 militares fortemente armados e vigilantes. Todas as manhãs, pelas 8 horas, quando a bandeira da República é içada no convés do navio, uma multidão reúne-se no local para gritar «fora os cubanos! viva a independência!».  Impressionante é a onda de suicídios que ocorre no Cabo Girão, o mais alto da Europa. Já lhe chamam «o cabo dos gigantes», comparando-o com a costa escarpada situada na zona noroeste da ilha de Tenerife, algumas milhas a sul, de onde o povo primitivo e de elevada estatura que a habitava se atirou ao mar, ao surgir-lhe pela frente a primeira vaga de conquistadores espanhóis, ficando o local conhecido por «Los Gigantes».  

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