Tenho com a Vila uma relação afectiva desde criança e por isso vou lá de vez em quando respirar durante umas horas o saudoso ar marinho na zona das rochas. Mas nem sempre me sinto bem naquela povoação. Os laços de consanguinidade dos habitantes deixaram as suas marcas. Abundam por ali atrasados mentais, idiotas, parvalhões e zaragateiros compulsivos, de ambos os sexos. Mas também há gente boa, de quem gosto. Diria que na Vila os extremos tocam-se. Há uns anos, depois de tirar a carta de condução, comecei a ser vítima de um fenómeno de primarismo saloio que julgava persistir apenas em pequenas cidades do interior. Sempre que conduzo o Audi, os que vêm atrás respeitam-me, mesmo que faça asneiras. Mas quando guio o Fiat punto tenho problemas. Paro num stop e o burro de trás apita, paro numa passadeira para deixar passar um peão e a peixeirola que me precede lança grunhidos ácidos para o ar; vou com o Punto a 100 à hora em estradas de 90 e os palermas não descansam enquanto não me ultrapassam, lançando olhares de vitória, ou mesmo de ódio. Mas quando sigo com o Audi a 90, a fila vai tranquila, ninguém me passa à frente. Descobri que os gestos de respeito ou de ofensa não são propriamente dirigidos à minha pessoa mas apenas à qualidade dos carros que conduzo. As peixeiras e os peixeiros mais pretensiosos, com a abastança que invadiu a Vila, correram aos Audis e aos Mercedes em segunda mão, e até novos. Nos fins-de-semana desfilam pelas ruas, vaidosos, exibindo os seus carros reluzentes, parecendo chimpanzés adestrados, esquecidos do tempo em que andavam de pata descalça.
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