Aprendi a compor um
sorriso de plástico para exibir nas entrevistas de emprego. Depois, pela força
do hábito, o sorriso foi-se mantendo como um tique difícil de eliminar, dando a
impressão às pessoas de que sou um indivíduo simpático, quando na realidade não
passo de um bruto. Tento adoptar técnicas de sobrevivência no seio desta
mediocridade que me cerca mas procuro manter o nariz acima do nível da merda,
para não sufocar. Há uns tempos consegui ser o primeiro classificado e fui
admitido naquele escritório. Mas o ambiente interno era insuportável. Tinha uma
colega irritante, uma horrível Tranca, de meia-idade, que vigiava o meu
trabalho e ia confidenciando ao chefe os meus supostos defeitos. Contava as
vezes que eu ia ao Café da esquina. Era uma vaca ordinária, de mau íntimo.
Quando a via aproximar-se de mim com ensaiados salamaleques, eu disfarçava o
mal-estar que sentia e mostrava-lhe o habitual sorriso amarelo. Burra que era,
não imaginava a repugnância que me causava. Estaria eu condenado a conviver com
aquela besta humana de manhã à noite? Ultimamente vinha-me falando da crise.
Espanha, Itália, Irlanda, Grécia e Chipre estão a afundar-se? Ainda bem porque assim
não é apenas Portugal que anda em apuros. A mula não entendia que quanto mais
se afundarem os outros mais nos afundaremos nós. Morreu de repente o Sr.
Ricardo, um honesto homem, com um comércio a uns metros do escritório. Veio ela
de imediato contar-me, com disfarçada alegria, tal evento, explanando-me a vida
privada do infeliz e todas as suas imperfeições. Uma maledicência indecente. Lia-lhe
na alma o sentimento animalesco do egoísmo e da inveja que ela, em vez de
tentar atenuar, explorava para lhe alimentar a velhaca satisfação com os males
alheios. Maldita mulher! O Sr. Manuel da tipografia ficou sem emprego e perdeu
a casa e o automóvel. E lá me apareceu a Tranca narrando-me os pormenores da
desgraça, não conseguindo ocultar a sua satisfação íntima. Era um asqueroso
verme que não largava a Igreja de Santa Cristina, era ali que, todas as manhãs,
ao caminhar para o escritório, ia limpar a sua conspurcada alma, pedindo perdão
pelas malfeitorias do dia anterior. E saía de lá sempre limpa, com os pecados apagados,
disponível para cometer outros ainda piores ao longo de cada dia. Abandonei o
emprego, não suportava mais aquele estupor.
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