domingo, 26 de maio de 2013

Gaspar e os gatos do pontão


Voltei ao blogue para registar um sonho. Quando pratico mergulho, uma ou duas vezes por mês, reservo sempre umas horas para passear no pontão e dar comida aos gatos que vivem por entre os pedregulhos. Pontão para uns, paredão para outros, uma espécie de estrada de cimento que avança quase um quilómetro pelo mar dentro. Só que, na noite passada, vi-me no lado errado. Eu estava entre os gatos e quem alimentava estes era outro, justamente o senhor ministro Gaspar de Portugal, o tal radical empenhado no extermínio de algumas fatias da classe média. Era tanta a minha fome que, competindo com os meus colegas de quatro patas, esforçava-me por apanhar uma das migalhas de carne que o malvado lançava àquele povo derrotado. Eu não estava sozinho, também lá encontrei o João, o Luís, o Abel e até o Nunes. O Gaspar fazia o seu trabalho com tranquilidade, tratava-nos a todos por igual, independentemente das nossas cores. Quando o homem deu por terminada a sua tarefa, lembro-me de ter ouvido o Luís gritar-lhe «bandido, quando te apanhar meto-te no Tarrafal!» Depois vi-o entrar num topo de gama de matrícula alemã. Soubemos que fora tomar o avião para estar no dia seguinte sentado no seu novo e rentável lugar que Merkel lhe ofereceu pelos bons serviços que lhe prestou.   

quarta-feira, 8 de maio de 2013

O sr. Carlos Silva e a Troika


Este tipo aqui ao lado é o  sr. Carlos Silva, o novo secretário-geral da UGT, o tal empregado bancário que, a despropósito, deu pública graxa ao patrão no seu discurso da eleição. Arranjou emprego no banco BES em 1988, ano em que foi eleito presidente da distrital de Lisboa da juventude do PS. Mera coincidência? Talvez. Aquilo que ontem me surpreendeu foi o vómito que proferiu perante as televisões.  É sabido que o ministro Gaspar das Finanças vem movendo uma perseguição feroz e inconstitucional aos reformados da classe média, pretendendo, progressivamente, limitar-lhes as suas pensões (até atingir o limite de zero euros?). Pois este vaidoso e incompetente sindicalista, que se tornou de repente um grande amigalhaço do 1º ministro Coelho, com o qual acabara de reunir, defendeu claramente aquela perseguição aos reformados dizendo, com ar de homem de Estado, mais ou menos esta baboseira: «O ministro Portas não quer que os reformados paguem mais um novo imposto, agora que seja ele a dizer onde quer que o Governo corte o montante correspondente àquela poupança ! ». Este trouxa julgou, por momentos, ser ele mesmo um membro activo e radical do Governo e da Troika!... Coitado!

Álvaro contra a bagunçada?


"As empresas públicas e os institutos e os organismos da órbita do Ministério da Economia irão deixar de ter carros e motoristas para todos os vogais e presidentes das administrações", afirmou o ministro. Estes gastos sumptuários e inúteis são próprios de um país do 3º mundo. E é escandaloso que tais privilégios se mantenham num Estado falido como Portugal, onde a miséria vai grassando. Mas porque não é o primeiro-ministro a acabar com esta bagunçada em todos os ministérios, a começar pelo pessoal da presidência do conselho de ministros, onde cada palerma tem carro do Estado?!

segunda-feira, 6 de maio de 2013

A lanterna


Influenciados pelo meu angélico ar de copinho de leite que na vida se limita a passear o seu «audi», alguns dos meus amigos actuais ficariam surpreendidos se eu lhes falasse da minha passagem pelo inferno do Iraque. Mas nada tenciono contar-lhes. Nunca! Ainda hoje acordo com pesadelos. Vejo-me amarrado a uma cama de um mau hospital, imobilizado com ferros, sujeito a que um estupor, valendo-se da incapacidade que me tolhia, entupisse a minha água engarrafada com comprimidos vermelhos destinados a tratar dores. Horrorizava-me aquela prisão forçada. Que seria de mim se houvesse ali um incêndio? Do canto onde me encontrava via muitas vezes, através da minha miopia, um doente que caminhava lentamente no corredor com uma espécie de lanterna na mão e entrava na casa de banho. Ainda o vejo agora, quando começo a adormecer. Eu sentia inveja de não estar em condições de fazer o mesmo. Ao menos aquele movimentava-se. A «lanterna» seria possivelmente um dispositivo de entrada de líquido numa das veias do paciente. Nunca tentei saber da sua história, nem sequer sei se chegou a sobreviver. 

sábado, 4 de maio de 2013

A Tranca


Aprendi a compor um sorriso de plástico para exibir nas entrevistas de emprego. Depois, pela força do hábito, o sorriso foi-se mantendo como um tique difícil de eliminar, dando a impressão às pessoas de que sou um indivíduo simpático, quando na realidade não passo de um bruto. Tento adoptar técnicas de sobrevivência no seio desta mediocridade que me cerca mas procuro manter o nariz acima do nível da merda, para não sufocar. Há uns tempos consegui ser o primeiro classificado e fui admitido naquele escritório. Mas o ambiente interno era insuportável. Tinha uma colega irritante, uma horrível Tranca, de meia-idade, que vigiava o meu trabalho e ia confidenciando ao chefe os meus supostos defeitos. Contava as vezes que eu ia ao Café da esquina. Era uma vaca ordinária, de mau íntimo. Quando a via aproximar-se de mim com ensaiados salamaleques, eu disfarçava o mal-estar que sentia e mostrava-lhe o habitual sorriso amarelo. Burra que era, não imaginava a repugnância que me causava. Estaria eu condenado a conviver com aquela besta humana de manhã à noite? Ultimamente vinha-me falando da crise. Espanha, Itália, Irlanda, Grécia e Chipre estão a afundar-se? Ainda bem porque assim não é apenas Portugal que anda em apuros. A mula não entendia que quanto mais se afundarem os outros mais nos afundaremos nós. Morreu de repente o Sr. Ricardo, um honesto homem, com um comércio a uns metros do escritório. Veio ela de imediato contar-me, com disfarçada alegria, tal evento, explanando-me a vida privada do infeliz e todas as suas imperfeições. Uma maledicência indecente. Lia-lhe na alma o sentimento animalesco do egoísmo e da inveja que ela, em vez de tentar atenuar, explorava para lhe alimentar a velhaca satisfação com os males alheios. Maldita mulher! O Sr. Manuel da tipografia ficou sem emprego e perdeu a casa e o automóvel. E lá me apareceu a Tranca narrando-me os pormenores da desgraça, não conseguindo ocultar a sua satisfação íntima. Era um asqueroso verme que não largava a Igreja de Santa Cristina, era ali que, todas as manhãs, ao caminhar para o escritório, ia limpar a sua conspurcada alma, pedindo perdão pelas malfeitorias do dia anterior. E saía de lá sempre limpa, com os pecados apagados, disponível para cometer outros ainda piores ao longo de cada dia. Abandonei o emprego, não suportava mais aquele estupor.

sexta-feira, 3 de maio de 2013

O Senhor Presidente


Sinto saudades daquela figura pública pela qual nutria especial amizade. Continuava a ser muito considerado no meio e, pelas ruas onde passava, toda a gente o cumprimentava: «Como está Senhor Presidente?». E ele, que já não era presidente, com ar delicado respondia: «Como está, tem passado bem?». Porém, caminhando eu algumas vezes com ele, notava que não tratava a todos por igual. «Como está Senhor Presidente?» «Como está, tem passado bem?», acrescentando depois em voz baixa: «seu filho da mãe…».  «Por quê a diferença de tratamento?», perguntei. «É que este também é um pulha…»

quinta-feira, 2 de maio de 2013

Τι κάνεις εδώ με τις γάτες μου?


Gente boa procurou salvar os gatos da Vila e largou-os ao longo do pontão, sujeitos à violência das ondas do mar mas mais protegidos das acções de perseguição e liquidação. Algumas pessoas vão passando por ali e distribuem-lhes água e comida. Os animais foram demarcando os seus territórios e, sempre que vêem alguém com um saco de plástico na mão, saem dos respectivos buracos e imploram alimento. Incapazes de pescar, ao contrário das gaivotas que os sobrevoam, eles estão dependentes da generosidade de habitantes condoídos. Há dias levei-lhes duas refeições. Dei-lhes secos na primeira passagem, e na segunda mimei-os com carne enlatada, que eles disputaram com avidez. Ao sentar-me na extremidade do pontão era seguido por uma dúzia de gulosos bichanos. Foi então que uma burra mulher pegou numa máquina fotográfica e apontou-a aos gatos e à minha pessoa. «Não lhe dei autorização para fotografar-me!», protestei irritado. Veio-me então a imagem de outra cena desagradável. Era a primeira vez que eu via tantos gatos instalados ao longo de amontoados de pedregulhos junto à costa. Quando eu dava alimento a alguns deles, apareceu um homem de alguma idade que também transportava comida. Com ar feroz, olhou-me e vomitou uma frase que não seria agradável mas que eu não conseguia entender. « Τι κάνεις εδώ με τις γάτες μου?» Respondi com a certeza de que também ele não me entenderia: «Deixa-me em paz, meu porco ! »  Estaria ele convencido de que adquirira direitos exclusivos de alimentar gatos naquele local? Que mal estaria eu a fazer? Talvez ele fosse um bastardo maluco deixado ali em tempos por Mussolini, que gostava de passar férias num palacete a escassas dezenas de metros, na pequena cidade de Rodes.