A difícil alimentação do Ego

Acaba de entrar o gélido Ano de 2015 e oiço ruidosos pategos festejando o evento lá em baixo, na zona do rio. Nesta aconchegada estalagem alentejana vou escrevinhando o que me vem à cabeça no meu portátil. Penso nas coisas sérias da vida. Ouvi o meu pai dizer que eu ainda há dias nasci e já sou trintão. Começo a assustar-me com a passagem voraz do tempo. E sinto saudades de alguns que partiram, em especial do meu tio António, um homem tranquilo, de extrema honradez, que amava a discrição e detestava a política, a mentira e a presunção. Quando se aproximou da idade da reforma, aos 57 anos, comprou uma linda casa amarela em Sagres. Era naquele local aprazível que tencionava viver o resto dos seus dias Mas não viveu. Tombou com um ataque cardíaco inesperado aos 58 anos. Ele traz-me à memória o político José Sócrates, que tem a idade que ele tinha mas é o oposto daquilo que ele era. Este carrega todos os maus vícios associados à actividade política sendo dotado de habilidades, artes e manhas difíceis de superar. Era um simples funcionário autárquico quando se inscreveu numa pequena secção partidária. E foi subindo a corda do poder a pulso, em alta velocidade, com muito mérito pessoal. Nunca ninguém, partindo do nada como ele, conseguira alcançar a posição de deputado, Secretário de Estado, Ministro e Primeiro-Ministro. E, contrariamente ao que acontecia com Mário Soares quando liderou o Governo, Sócrates, dominava os dossiers e enrolava toda a oposição. Conduzia a seu bel-prazer os debates parlamentares, vencendo quase todos pela argumentação, séria ou falaciosa. Toda a gente sabia que em matéria de ética deixava muito a desejar. Porém, conseguiu ultrapassar as sucessivas trapalhadas que gerou, algumas de grande impacto jornalístico. Espantava-me a facilidade com que metia no bolso políticos de elevado prestígio, jornalistas, comentadores das televisões, agentes de topo da Justiça, banqueiros, empresários. Todos lhe vinham comer à mão. E mantinha à sua volta uma complexa teia de medíocres que almejavam fama ou dinheiro fácil do Estado. Preparava agora o assalto ao lugar de Presidente da República quando alguns magistrados determinados resolveram metê-lo na cadeia. É uma pena que este homem, dotado de uma capacidade de liderança acima do normal, se tenha perdido irremediavelmente nos labirintos que construiu. Imagino a incomodidade da sua situação actual, para si e para a família que lhe resta. Oxalá ele consiga acertar depressa as suas contas com a Justiça e passe a viver feliz até aos 100 anos de idade, afastado de ambições desmedidas e da doentia preocupação de parecer o que não é. O melhor do jogador Ronaldo (o português mais conhecido no Mundo) não é a ridícula estátua nem o estúpido «museu» que ele ergueu na sua terra e com o seu dinheiro, perto do sítio onde jazia o famoso barco dos Beatles, mas as suas qualidades profissionais e humanas.

Vi há meses esta entrevista em directo na televisão, feita a pedido do próprio. E depois tentei compreendê-la melhor analisando-a através deste vídeo que circula na internet. Aquele é o Sócrates artificial empenhado em, mais uma vez, tapar um dos numerosos buracos que se foram abrindo ao longo da difícil picada que escolheu. Ressalta a sua capacidade de persuasão utilizando habilidosos argumentos, repetidos vezes sem conta. Não terá convencido o jornalista que fez o frete de entrevista-lo, mas convenceu grande parte das pessoas que o ouviram, sobretudo as menos esclarecidas do Clube Socialista. https://www.youtube.com/watch?v=vzqibkhnnbQ