Conheci aquela besta humana em Adenhas do Mar, onde passo férias todos os anos, desde que nasci. Quando o via sentia uma espécie de arrepio na espinha como se estivesse olhando o diabo.
Era um peixeiro porco, de mente tacanha e defeituosa, um anormal velhaco, daqueles que se libertam dos seus pecados nas capelinhas por onde passam, ficando puros e disponíveis para duplicarem logo de seguida as maldades.
Trazia a repugnante carrinha da venda cheia de santinhos de papel e era visto com frequência a acender velinhas na rua, alimentando uma maliciosa superstição, desejando, com estranhas rezas, gerar mal a este e àquele.
Na lota chamavam-lhe o «mete nojo» e todos se afastavam-se dele mas o bicho já nem se incomodava com isso.
A sua grande paixão era insultar e fazer mal às pessoas que ele julgava indefesas.
A sua grande paixão era insultar e fazer mal às pessoas que ele julgava indefesas.
Na terra todos o temiam e ninguém lhe comprava nada mas ele ia vender o peixe durante a noite não sei onde, seguramente em qualquer sítio onde não fosse conhecido. Toda a gente suspeitava de que o tipo urinasse no pescado e nele misturasse mistelas de cariz supersticioso.
Um dia, sem que houvesse qualquer antecedente, bom ou mau, entre ambos, chamou-me, sem mais nem menos, «copo de leite» e, praticante que sou de yoga, sem esforço fi-lo dar uma cambalhota, para ele inesperada. As pessoas que passavam riram desalmadamente do velhaco estendido no chão e eu continuei o meu caminho sem comentários, como se nada tivesse acontecido.
Mas, a partir daí, a minha porta passou a ser contemplada todas as noites com esterco. E os pneus do meu carro apareciam furados com frequência. Não duvidava de que o «mete nojo» era o autor dos crimes e participei dele uma vintena de vezes na esquadra. Mas tudo foi arquivado por falta de provas. Recorrer à autoridade era uma simples perda de tempo…
-- Então, rafeiro, que crimes já cometeste hoje?, perguntava-lhe eu, disfarçadamente e em voz baixa, quando passava pelo malandro, que agia como se nada tivesse ouvido. Porém, quando passava à sua porta, ele, do alto da janela de um segundo andar, gritava-me:
-- Tesoureiro!
Eu não era tesoureiro em associação alguma mas desconfiava que aquele termo correspondesse a um insulto. Perguntei a um pescador da terra qual o significado da palavra e ele explicou-me que «tesoureiro» era um homem zaragateiro. Coisa que eu nunca fora.
Um dia, no café da aldeia, deram-me a notícia:
-- O peixeiro maluco morreu!
-- Morreu?
-- Morreu!
Aproveitando a circunstância de conhecer o irmão mais velho, um pescador cordato e bem comportado, resolvi prestar a minha última «homenagem» ao «mete nojo», procurando aparentar «consternação». Fui ao velório para certificar-me de que aquele indivíduo asqueroso não ressuscitaria. A crer na reencarnação, talvez voltasse um dia à vida terrena como uma inofensiva gaivota, daquelas que se prostravam todos os dias perto da sua porta a implorar-lhe, em vão, um pedaço de peixe.
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