Nos últimos tempos o meu pai vem falando muito pouco em casa e isso preocupa-me. Eu noto que ele anda desesperado.
Médico no topo de carreira num hospital de Lisboa, foi vítima de cortes no seu salário, que já vinha sendo desvalorizado nos últimos anos pela inflação. Agora fala-se em novos rombos e na probabilidade de o FMI lhe eliminar os subsídios de férias e de Natal. E mesmo que consiga escapar a esses cortes enquanto estiver no activo, não escapará quando passar à situação de reforma antecipada, o que estás prestes a acontecer. Ele, que fez contas, julgava saber que perderia menos dinheiro deixando de trabalhar já. Só que agora já não tem a certeza de coisa alguma. Vive em grande insegurança.
Anda irritado, mas silencioso. Tem três filhos licenciados e todos desempregados. Estamos vivendo na mesma casa e dependentes do seu salário. Ele teme a pobreza. Como poderá um clínico com a sua especialidade e a sua experiência gastar o resto da existência em situação de miséria? Será que teremos de vender a casa, a quinta e os automóveis?
Há dias viu-me no computador e bradou:
-- Andas sempre a escarafunchar nessa merda e não há meios de arranjares emprego!
-- Ó pai, estou a enviar currículos para diversos concursos.
Não estava a enviar currículos, estes não dão resultado algum, já desisti disso há muito tempo. O mundo do trabalho em Portugal está viciado. As empresas privadas admitem apenas os familiares dos donos, as empresas públicas empregam só os militantes partidários que lambem as botas dos chefes e as câmaras municipais têm um único critério de escolha: a cunha.
Não estava assim a enviar currículos mas tão só a «conversar» com amigos no «facebook». Não para tentar deitar o regime abaixo, como fazem os jovens árabes, mas dizendo mal de tudo e de todos.
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