sexta-feira, 29 de abril de 2011

AS ANGÚSTIAS DO MEU PAI



Nos últimos tempos o meu pai vem falando muito pouco em casa e isso preocupa-me. Eu noto que ele anda desesperado.

Médico no topo de carreira num hospital de Lisboa, foi vítima de cortes no seu salário, que já vinha sendo desvalorizado nos últimos anos pela inflação. Agora fala-se em novos rombos e na probabilidade de o FMI lhe eliminar os subsídios de férias e de Natal. E mesmo que consiga escapar a esses cortes enquanto estiver no activo, não escapará quando passar à situação de reforma antecipada, o que estás prestes a acontecer. Ele, que fez contas, julgava saber que perderia menos dinheiro deixando de trabalhar já. Só que agora já não tem a certeza de coisa alguma. Vive em grande insegurança.

Anda irritado, mas silencioso. Tem três filhos licenciados e todos desempregados. Estamos vivendo na mesma casa e dependentes do seu salário. Ele teme a pobreza. Como poderá um clínico com a sua especialidade e a sua experiência gastar o resto da existência em situação de miséria? Será que teremos de vender a casa, a quinta e os automóveis?

Há dias viu-me no computador e bradou:

-- Andas sempre a escarafunchar nessa merda e não há meios de arranjares emprego!

-- Ó pai, estou a enviar currículos para diversos concursos.

Não estava a enviar currículos, estes não dão resultado algum, já desisti disso há muito tempo. O mundo do trabalho em Portugal está viciado. As empresas privadas admitem apenas os familiares dos donos, as empresas públicas empregam só os militantes partidários que lambem as botas dos chefes e as câmaras municipais têm um único critério de escolha: a cunha.

 Não estava assim a enviar currículos mas tão só a «conversar» com amigos no «facebook». Não para tentar deitar o regime abaixo, como fazem os jovens árabes, mas dizendo mal de tudo e de todos.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O ENTERRO DO METE NOJO



Conheci aquela besta humana em Adenhas do Mar, onde passo férias todos os anos, desde que nasci. Quando o via sentia uma espécie de arrepio na espinha como se estivesse olhando o diabo.
Era um peixeiro porco, de mente tacanha e defeituosa, um anormal velhaco, daqueles que se libertam dos seus pecados nas capelinhas por onde passam, ficando puros e disponíveis para duplicarem logo de seguida as maldades.
Trazia a repugnante carrinha da venda cheia de santinhos de papel e era visto com frequência a acender velinhas na rua, alimentando uma maliciosa superstição, desejando, com estranhas rezas, gerar mal a este e àquele.
Na lota chamavam-lhe o «mete nojo» e todos se afastavam-se dele mas o bicho já nem se incomodava com isso.

A sua grande paixão era insultar e fazer mal às pessoas que ele julgava indefesas.
Na terra todos o temiam e ninguém lhe comprava nada mas ele ia vender o peixe durante a noite não sei onde, seguramente em qualquer sítio onde não fosse conhecido. Toda a gente suspeitava de que o tipo urinasse no pescado e nele misturasse mistelas de cariz supersticioso.
Um dia, sem que houvesse qualquer antecedente, bom ou mau, entre ambos, chamou-me, sem mais nem menos, «copo de leite» e, praticante que sou de yoga, sem esforço fi-lo dar uma cambalhota, para ele inesperada. As pessoas que passavam riram desalmadamente do velhaco estendido no chão e eu continuei o meu caminho sem comentários, como se nada tivesse acontecido.
Mas, a partir daí, a minha porta passou a ser contemplada todas as noites com esterco. E os pneus do meu carro apareciam furados com frequência. Não duvidava de que o «mete nojo» era o autor dos crimes e participei dele uma vintena de vezes na esquadra. Mas tudo foi arquivado por falta de provas. Recorrer à autoridade era uma simples perda de tempo…
-- Então, rafeiro, que crimes já cometeste hoje?, perguntava-lhe eu, disfarçadamente e em voz baixa, quando passava pelo malandro, que agia como se nada tivesse ouvido. Porém, quando passava à sua porta, ele, do alto da janela de um segundo andar, gritava-me:
-- Tesoureiro!
Eu não era tesoureiro em associação alguma mas desconfiava que aquele termo correspondesse a um insulto. Perguntei a um pescador da terra qual o significado da palavra e ele explicou-me que «tesoureiro» era um homem zaragateiro. Coisa que eu nunca fora.
Um dia, no café da aldeia, deram-me a notícia:
-- O peixeiro maluco morreu!
-- Morreu?
-- Morreu!
Aproveitando a circunstância de conhecer o irmão mais velho, um pescador cordato e bem comportado, resolvi prestar a minha última «homenagem» ao «mete nojo», procurando aparentar «consternação». Fui ao velório para certificar-me de que aquele indivíduo asqueroso não ressuscitaria. A crer na reencarnação, talvez voltasse um dia à vida terrena como uma inofensiva gaivota, daquelas que se prostravam todos os dias perto da sua porta a implorar-lhe, em vão, um pedaço de peixe.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

OS FOGUETÓRIOS DO SENHOR PRIOR



A vida está cara, os paroquianos vão empobrecendo com a crise instalada, a caixa das esmolas fica cada vez mais leve e os tempos prometem ir de mal a pior. Mas o padre da minha freguesia, não sei por que vias, consegue arranjar dinheiro para comprar montes de foguetes. É um maníaco de foguetórios…
Pum! Pum! Pum! Pum, Pum!
Acordo com frequência irritado com esse ruído estridente e odioso. Não existem paredes nem vidros duplos que o abafem.
Haverá ainda algum patego na freguesia que consiga divertir-se ouvindo estrondos no ar? O que passará pela cabeça do Senhor Prior para, dia sim, dia não, incomodar tanta gente?
Por tudo e por nada, o prelado manda para o ar um Pum! E tanto pode ser às sete da manhã como à meia-noite. E por vezes o foguetório dura mesmo o dia inteiro.
Fiz questão de ir à Igreja e perguntar ao sacristão os porquês de tantos foguetes.
-- Hoje é o dia da Santa….
-- E ontem?
-- Foi o dia de São….
Maldito padre, hei-de lixá-lo!
Ando com uma centena de folhas nas mãos tentando reunir as assinaturas de todos os fieis de ouvido menos duro e inteligência mais aguçada para pedir ao bispo que desterre o homem para um sítio mais conveniente, algures onde, num raio de cem quilómetros, não haja vivalma, talvez no deserto do Saara, longe de tudo e de todos.

terça-feira, 26 de abril de 2011

FUTEBOL



Acho curioso o facto de, restando agora quatro equipas a disputar a Liga Europa, três serem portuguesas: o Porto, o Benfica e o Braga. Isso dá-me a ideia de que Portugal, afinal, poderá ser bom nalguma coisa, que não apenas na corrupção, na aldrabice, na dívida externa e no reinado dos medíocres.
Agrada-me essa coincidência (serei patriota?!) mas devo confessar que não entro num campo de futebol desde os meus 13 anos de idade, quando acompanhava o meu tio Fernando a ver as partidas do Sporting local. Nem voltarei a entrar.
-- Fora o árbitro!
-- Ladrão!
- -Filho da puta!

Compreendi que aquele não era o meu meio ideal, estava ali a mais.
Reconheço que o futebol de alto nível envolve habilidade e arte mas não duvido de que os estádios são os lugares que atraem maior número de facínoras por metro quadrado.  O comportamento criminoso das claques do Porto e do Benfica demonstra isso mesmo. Quando há semanas vi pela tv aquele conjunto de bandidos, junto do estádio do Benfica, a apedrejar a polícia e a escavacar os carros estacionados, compreendi que só as balas reais os poderiam travar, não as balas de borracha… 
Mas essa doença típica de labregos não é exclusiva de portugueses. Basta recordarmos os problemas de violência gerados por bestas inglesas por essa Europa fora. Nas três vezes que fui a Londres procurar emprego, alojei-me num hotel central e barato, de grandes proporções, designado de «Royal» qualquer coisa, ali na Russel Square. Lá, nunca deixei de ouvir um bando de três ou quatro energúmenos ingleses berrarem todas as noites, afinando as goelas para se comportarem «condignamente» nos espectáculos do seu clube. Numa daquelas vãs estadias vi a polícia, no final de uma tarde, arrastar um dos repugnantes vermes pela rua fora. Mas à noite lá estavam eles de novo no seu canto, com as vozes esganiçadas, impedindo os hóspedes de dormir tranquilamente.
-- Mas sou obrigado a ouvir essas bestas todas as noites?, protestei.
-- Nós ali não poderemos intervir porque a tasca que se situa no átrio do hotel não está sob a alçada da gerência!
Não voltarei a pôr os pés naquele dormitório barato mas ruidoso, que mais me faz lembrar um estádio de futebol rasca.

segunda-feira, 25 de abril de 2011

A ABRILADA



Também me rotulo de «jovem da geração à rasca», não tenho emprego e não vejo jeito de consegui-lo, apesar de ter um curso superior concluído na «Lusíada», numa segunda-feira, por conseguinte com credibilidade bastante. Se bem que deva confessar que, por enquanto, não tenho razões para queixar-me da vida. Passo os dias a dormir e as noites em discotecas. E até conduzo um «audi» que faz inveja aos meus amigos. Tudo à custa do meu pai que, de vez em quando, ameaça cortar-me a mesada.

Mas que culpa tenho eu de não conseguir emprego? Fui a todas as Câmaras (socialistas, social-democratas e comunistas) onde abriram concursos públicos adequados à minha licenciatura mas em nenhuma delas fui admitido. Por ser estúpido? Não! Apenas pela razão simples de tais concursos estarem viciados à partida. Antes de abrirem, os democráticos autarcas já tinham a lista dos amigos a admitir. Tudo como nas mais ordinárias ditaduras. Andei a gastar gasóleo e a fazer figura de parvo para, sem o desejar, dar sentido de legalidade fictícia aos crimes desses democratas de meia-tijela, seguramente abrilistas. 

 Alguns pensam que sou fascista e anti-democrata por estar contra este sistema corrupto. Mas são tolos. Conheci países onde reinam ditaduras e juro que não desejaria viver em nenhum deles. A não ser, talvez (não pensei bem nisso), se fosse eu o ditador. Não me estou a imaginar no meio das grandes massas de alemães que, em grande algazarra, se manifestavam de braço no ar a louvar Hitler e a guerra. Nem na Itália do socialista Mussolini que impunha o seu partido único aos italianos e que muitos destes digeriam com gosto, também de braço erguido. Digamos que odeio rebanhos humanos de imbecis e oportunistas que se juntam para glorificar mentirosos, malucos, sanguinários e ladrões.

Li muito sobre a «revolução dos cravos» e ouvi, durante intermináveis horas, o meu tio Fernando, que viveu por dentro a abrilada e conheceu os seus defeitos. Contrariando o que me ensinavam na primária, ele garantiu-me sempre que a famosa  «revolta patriótica dos capitães» se deveu exclusivamente ao facto de, por falta de oficiais do quadro, ter sido publicada uma lei que permitia aos oficiais milicianos combatentes fazerem carreira até ao posto de coronel. Os capitães do quadro sentiram-se prejudicados por essa lei e, apenas por isso, decidiram deitar o governo abaixo com as armas que lhes estavam distribuídas justamente para o defender. Compreendi então porque o 25 de Abril foi uma revolução de capitães e não de sargentos ou coronéis.

 Daí que deteste a glorificação da revolta do 25 de Abril. Basta olhar para os ridículos cerimoniais de todos os anos: uns discursos balofos, de circunstância, vazios de conteúdo. E muitos velhos a bater palmas, por dever de ofício ou por oportunismo. Nem um jovem. A não ser um ou outro idiota inscrito num partido e já com tacho público, ou com esperanças de o vir a alcançar.

Mas, embora não apreciando a glorificação do 25 de Abril, tenho grande consideração pelo competente chefe da revolta, Otelo Saraiva de Carvalho. Este demonstrou ao longo da sua vida que é um homem generoso e que comete erros mas sabe reconhecê-los. Nada pior num político ou num militar do que a mentira. Mas o honesto Otelo  é o único a confessar publicamente a verdade, decorridos tantos anos.

Para que os meus leitores (se os tiver) compreendam que tenho razão, anexo uma folha do «jornal de notícias» on line do dia 13 de Abril de 2011.









13 Abril 2011
Director
José Leite Pereira

Director Adjunto
Alfredo Leite

Subdirector
Paulo Ferreira




Perda de direitos pode levar militares a nova revolução


Para o "capitão de Abril" Otelo Saraiva de Carvalho bastam 800 militares para derrubar um governo, mas "um novo 25 de Abril" só deverá acontecer com a perda de direitos dos militares.











foto REINALDO RODRIGUES/Global Imagens
Otelo Saraiva de Carvalho

Em entrevista à Agência Lusa, a propósito do livro "O dia inicial", que conta o 25 de Abril "hora a hora", Otelo reconhece que, ao contrário da sociedade em geral, os militares não têm demonstrado grande indignação pelo estado do país.

E justifica: "Os militares pertencem à classe burguesa, estão bem, estão bem instalados, têm o seu vencimento, vão para fora e ganham ajudas de custo, são voluntários e os que estão reformados ainda não viram a sua reforma diminuída".

Mas a situação pode mudar, na perspectiva deste obreiro da "revolução dos cravos", para quem "a coisa começará a apertar, no dia em que os militares perderem os seus direitos".

"Se isso acontecer", sublinhou, "é possível que se criem as tais condições necessárias para que haja um novo 25 de Abril".

Otelo Saraiva de Carvalho lembrou que o movimento dos capitães iniciou-se precisamente por "razões corporativistas", nomeadamente quando "os militares de carreira viram-se de repente ultrapassados nas suas promoções por antigos milicianos que, através de um decreto-lei de um governo desesperado por não ter mais capitães para mandar para a guerra colonial, permite a entrada desses antigos milicianos".

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domingo, 24 de abril de 2011

QUEM NOS ACODE?



Caiu a Grécia, caiu a Irlanda e caiu Portugal. A seguir cairá Espanha e pouco depois cairá o Euro. Empobreceremos aceleradamente e mudarão radicalmente os nossos hábitos de consumo. Recuaremos aos anos trinta. Safar-se-ão os que já são suficientemente ricos e também os ladrões de luvas ou colarinhos brancos. E até os badamecos imbecis que tiverem o engenho de abrigar-se à sombra de um chapéu partidário.