sábado, 22 de setembro de 2012

A liberdade suprema


Muitos adoravam coisas que eu detestava, como caçar inocentes animais, beber intragável whisky, trincar repugnantes lagostas e camarões, ouvir fados e folclore, vibrar com a bola nos estádios de futebol, acompanhar supersticiosas procissões ou berrar como um carneiro em manifestações de rua. E estranhava que poucos apreciassem aquilo de que eu mais gostava: interpretar os gritos das gaivotas, apreciar os velhos e românticos faróis, e sobretudo gozar a suprema sensação de liberdade solitária no mar alto. Treinara-me desde adolescente na arte de dominar as águas agitadas do atlântico e sentia-me seguro avançando no oceano, afastado dos olhares humanos e do bulício das praias. Mas a partir de certa altura, apesar de procurar locais isolados, passei a ser demasiado incomodado na prática do meu desporto favorito. Cada vez mais as costas eram vigiadas pelas autoridades marítimas e, quando menos esperava, era abordado por homens transportados em pequenos barcos que me obrigavam a regressar e me aplicavam sanções. Ali, nas frias águas de Biarritz, onde portugueses endinheirados passavam férias nos anos trinta e quarenta, eu sentia-me particularmente feliz. Saía do parque de campismo com as barbatanas debaixo do braço e entrava nos sítios que me pareciam mais adequados. Mas naquele dia também tive azar. Vindo não sei donde, um helicóptero desceu até perto do meu corpo e depois ouvi apitos vindos duma praia próxima. Teria de escapar da vergonha de ser de novo apanhado e seguido por hordas de curiosos até à capitania. Afastei-me com quantas forças tinha para uma zona de rochedos para me esconder. E, sorrateiramente, fui subindo até alcançar uma estrada. Horas depois as autoridades ainda vasculhavam com binóculos a zona onde o «náufrago» desaparecera. 

Sem comentários:

Enviar um comentário