Muitos adoravam coisas que eu
detestava, como caçar inocentes animais, beber intragável whisky, trincar repugnantes
lagostas e camarões, ouvir fados e folclore, vibrar com a bola nos estádios de
futebol, acompanhar supersticiosas procissões ou berrar como um carneiro em
manifestações de rua. E estranhava que poucos apreciassem aquilo de que eu mais
gostava: interpretar os gritos das gaivotas, apreciar os velhos e românticos faróis, e sobretudo gozar a suprema sensação de liberdade solitária no mar alto.
Treinara-me desde adolescente na arte de dominar as águas agitadas do atlântico
e sentia-me seguro avançando no oceano, afastado dos olhares humanos e do
bulício das praias. Mas a partir de certa altura, apesar de procurar locais isolados,
passei a ser demasiado incomodado na prática do meu desporto favorito. Cada vez mais as
costas eram vigiadas pelas autoridades marítimas e, quando menos esperava, era
abordado por homens transportados em pequenos barcos que me obrigavam a
regressar e me aplicavam sanções. Ali, nas frias águas de Biarritz, onde portugueses endinheirados passavam férias nos anos trinta e quarenta,
eu sentia-me particularmente feliz. Saía do parque de campismo com as barbatanas
debaixo do braço e entrava nos sítios que me pareciam mais adequados. Mas
naquele dia também tive azar. Vindo não sei donde, um helicóptero desceu até
perto do meu corpo e depois ouvi apitos vindos duma praia próxima. Teria de
escapar da vergonha de ser de novo apanhado e seguido por hordas de curiosos até à capitania. Afastei-me com quantas forças tinha para uma zona de
rochedos para me esconder. E, sorrateiramente, fui subindo até alcançar
uma estrada. Horas depois as autoridades ainda vasculhavam com binóculos a zona
onde o «náufrago» desaparecera.
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