Levantei-me tarde e fui tomar a
bica naquele agradável café perto da Avenida da Igreja. E foi aí que, olhando a
televisão, vi o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa, com um
cravo na mão (e não ao peito), lançar no parlamento lindas palavras de
defesa da revolução de Abril que, por
vontade da sua família pró-Salazar/Caetano, jamais teria acontecido.
Seu pai, um convicto defensor de Salazar, foi um importante e ilustre Ministro
de Marcelo Caetano, padrinho de baptizado de Marcelo Rebelo de Sousa, a quem deu
o seu nome, e que foi o Primeiro-Ministro humilhado e derrubado em 25 de Abril
de 1974, a data histórica que o ex-Marcelinho estava agora ali a comemorar. E
olhando as galerias, descobri os célebres capitães de Abril que, por
rancor ao governo anterior e sobretudo ao seu chefe Passos Coelho (que deveria
ter sido corrido à paulada, segundo gritou um dia Vasco Lourenço), não
compareceram nos últimos anos. Senti
de novo o desagradável cheiro a bolor daquela farsa onde uns dizem o que
não sabem e outros dizem o contrário do que pensam. As comemorações do 25
de Abril, ao longo dos anos, têm andado imbuídas de mentira, de representação
teatral aplaudida por parolos, oportunistas, hipócritas, e até vigaristas e
ladrões. Ficaria bem mais feliz se
ali visse a serem homenageadas as curtas e heroicas equipas da Procuradora-Geral
da República Joana Marques Vidal e do juiz Carlos Alexandre, os quais têm feito mais pela
verdadeira democracia nos últimos anos do que todos os abrilistas juntos.
Olhei os «jovens capitães de Abril», agora velhos, e vi Otelo e Lourenço mais afectados pelo reumático do que a por eles designada «Brigada do
Reumático» que combateram há mais de quatro décadas. Estes dois homens fizeram
asneiras políticas mais ou menos graves mas ninguém os pode rotular de oportunistas.
Poderiam ter-se auto promovido a generais mas recusaram-se a fazê-lo. Foram
honestos. E assim se mantiveram pela vida fora, não passando do posto de
coronel, o mesmo que muitos profissionais da GNR sem «academia» e com o 11º ano
atingiram. Não ganharam nada com a revolução que fizeram. Ali, no café
da Avenida, eu dizia-lhes «sei bem porque
é que vós, heroicos capitães de Abril, como os farsantes vos
chamam para alimentarem os vossos egos, fizestes
aquela revolta militar! Foi apenas para defenderdes as vossas carreiras
profissionais! Apenas o Otelo Saraiva de Carvalho tem a coragem de
confessar publicamente a verdade. E já o fez várias vezes! Os capitães
rebelaram-se apenas por mesquinhas razões corporativas! Não foi uma revolução patriótica nem esteve revestida de nobreza alguma.
Houve quem no Largo do Carmo tivesse, para as televisões e a imprensa verem,
dado o corpo às balas inexistentes e fosse promovido a herói por isso. Mas esqueceis
os muitos oficiais milicianos, beneficiados pelo Decreto, que nas matas
africanas avançaram destemidamente contra balas verdadeiras, sem televisões nem
jornais por perto. E que continuam em silêncio. O Decreto, o que é isso?,
perguntou-me o tipo do lado. O governo de Marcelo Caetano não tinha oficiais do
quadro suficientes para mandar para a guerra e teve de recorrer aos oficiais
milicianos. Para o efeito publicou então um Decreto que permitia a profissionalização
destes experientes combatentes. Mas os «heróicos capitães», porque receavam que
alguns milicianos lhes passassem à frente na carreira, rebelaram-se contra o
Decreto e deitaram abaixo o Governo do padrinho de Marcelinho. O regime de Salazar/Caetano estava
politicamente moribundo há muito. Já não era internacionalmente defensável
a contestada tese do partido único nem a manutenção do nosso império colonial,
do qual já haviam saído o Brasil e a Índia portuguesa. Se não tivesse havido a revolta de 25 de Abril, um outro qualquer
evento tomaria o seu lugar. Os espanhóis transformaram pacificamente num
ápice o seu regime político pró-fascista em democracia. Sem revoltas militares,
sem alarido. E não têm agora de assistir a esta fantochada todos os anos. A confusa revolta militar levada a cabo
pelos «heróicos capitães de Abril» foi inadequada aos interesses de Portugal
pela forma precipitada como originou a
independência das colónias, atirando de repente para a miséria milhões de
portugueses que nelas viviam e originando entre os nativos intermináveis
guerras fratricidas. Foi uma vergonha o
que se passou em Angola, Guiné, Moçambique e Timor! E os responsáveis
estavam ali! Não me voltem a cantar o «grândola vila morena», isso já me mete
nojo! Gritem por um regime verdadeiramente democrático, onde seja respeitada a
lei e onde não haja lugar para ladrões e vigaristas no Poder. E onde ninguém tenha
medo de dizer a verdade!
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